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Capital

À margem da sociedade, moradores de rua fazem do Rio Anhanduí um lar

Chloé Pinheiro | 01/10/2016 08:47
Sem-teto, Rogério toma banho no Rio Anhanduí. (Foto: Alcides Neto)
Sem-teto, Rogério toma banho no Rio Anhanduí. (Foto: Alcides Neto)

No cruzamento entre as avenidas Ernesto Geisel e Manoel da Costa Lima, no Bairro Guanandi, há nove anos seu Jesus César, 74 anos, artesão, toma conta de uma construção sob a ponte que cruza o Anhanduí. Hoje, cerca de dez pessoas vivem na casa do 'velhinho do rio', como é conhecido Jesus.

O local é antigo, mas há vários outros pontos do rio urbano onde é possível flagrar pessoas pescando, tomando banho e dormindo em colchões. Na última quinta-feira (29), a reportagem flagrou até um banho na altura do Hospital Regional, no Aero Rancho.

“Minha vida é melhor do que é a de vocês”, afirmou o homem, que se identificou apenas como Rogério, ao posar para a foto. Ali, começam a ser construídas estruturas para abrigar a população de rua, que, alguns metros abaixo da avenida, vive invisível.

“O número de pessoas vivendo aqui pode até ter aumentado, mas aqui não por conta do meu jeito de dirigir, não pode ser ladrão e tem que trabalhar vendendo meu material”, conta Jesus. “Os viciados eu acolho, mas a convivência com eles gera pressão psicológica, porque o comportamento muda depois do uso da droga, tem brigas”, completa.

O material a ser vendido são telas pintadas e miniaturas de carros de época, que seu Jesus constrói com material retirado do rio, como alumínio, madeira e metal. “Quem joga isso aqui é porque não sabe o valor que tem”.

Ao descer até o rio para conferir o que os moradores da construção improvisada chamam de “aquário particular”, a reportagem teve que atravessar uma ladeira de lixo. Mesmo assim, ainda há tartarugas que vivem no lugar. “Chega a ter 18 casais e já teve até desova”, descreve o homem de 36 anos que se identifica apenas como César, o braço direito e filho de Jesus.

Ali no Guanandi, quem vive abaixo da avenida garante que a convivência com a vizinhança é tranquila. “É claro que sempre tem discriminação, mas no geral o pessoal conhece e ajuda a gente”, diz César.

"Faço aqui praticamente uma pesquisa antropológica", diz Jesus César em sua 'casa' embaixo do rio. (Foto: Chloé Pinheiro)
"Faço aqui praticamente uma pesquisa antropológica", diz Jesus César em sua 'casa' embaixo do rio. (Foto: Chloé Pinheiro)

Mais pra frente, no Guanandi II, entretanto, há suspeita de que a população sem-teto esteja envolvida nos incêndios no CEA (Centro de Educação Ambiental) Anhanduí. “Sete hectares pegaram fogo aqui, e nossa suspeita é que sejam os moradores de rua”, aponta Osmar Martins, coordenador do local.

Já no Jardim Marcos Roberto, um pouco à frente do Shopping Norte Sul, os comerciantes reclamam que alguns indivíduos praticariam pequenos delitos no entorno. “A margem aqui na frente ficava cheia de usuários de drogas e cheguei a ter meu estabelecimento furtado”, contou Claudio Balbino, proprietário de uma loja de veículos usados, em entrevista cedida ao Campo Grande News há cerca de um mês.

Não há dados sobre o tamanho da população vivendo às margens do Anhanduí, mas a Prefeitura informou que todos são atendidos pela SAS (Secretaria de Assistência Social) por meio do consultório na rua e que não pode obrigar ninguém a ir para outro local sem consentimento do mesmo.

Na altura do Aero Rancho, homens pescam. (Foto: Alcides Neto)
Na altura do Aero Rancho, homens pescam. (Foto: Alcides Neto)
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