A rotina de trabalhadoras e as mazelas crônicas no transporte público da Capital
Dos 4.386 pontos de embarque e desembarque em Campo Grande, 2.143 não têm assentos ou coberturas
“Povo vai achar que sou uma jaguatirica. A gente tem que levar na esportiva, mas acho um absurdo. Brasileiro sofre viu”, Zilma Maria Gomes, diarista.
Na iminência de mais um aumento da tarifa do transporte público, o tom de brincadeira seguido de desabafo da trabalhadora doméstica diz respeito a uma situação comum em inúmeras paradas de ônibus de Campo Grande: falta de coberturas e bancos para sentar.
A Capital tem 4.386 pontos de embarque e desembarque, sendo que 2.143 deles não contam com cobertura e assento, Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito). Já os 2.243 restantes, o estado de conservação nem sempre é bom, além do mato alto ao redor, o que torna esses locais inseguros aos usuários.
Moradora do Nova Lima, região norte, Zilma acorda às 5h da manhã e logo se dirige ao ponto de ônibus mais próximo para pegar a condução e chegar ao trabalho. Na oportunidade, ao falar com a reportagem, a diarista aguardava no ponto de número 1774, localizado na Rua Ciro Nantes da Silveira, no Jardim Seminário.
No local, nada de cobertura ou banco para sentar, somente o poste e o numeral indicando que ali é uma parada de transporte público. Já no terreno, onde está fixado o ponto, falta calçada, mas sobra mato alto e lixo. “Não tem cobertura e nem banco. Acho que deveria também ter uma placa informando qual é o ônibus que passa aqui e tempo de espera”, reclamou a usuária.
Sob distorção da realidade e ignorância deste repórter, ao ser indagada sobre a utilização do telefone celular para pesquisar sobre os horários das paradas, a trabalhadora é taxativa. “Nem todo mundo leva jeito para essas coisas, além de ser caro e perigoso”, respondeu.
Numa rápida explicação, Zilma mostra ainda o quanto cada centavo no valor da tarifa do transporte influencia na renda mensal de um trabalhador. Normalmente ela precisa fazer duas viagens, que custam R$ 4,40 cada, para chegar ao trabalho. Quando perde o horário do ônibus, se vê obrigada a pedir ajuda a alguém para chamar um carro de aplicativo para não chegar atrasada ao destino. Foi o que aconteceu naquele dia: por causa da chuva, teve que desembolsar R$ 37,00. “É só fazer as contas. Soma os R$ 37,00 mais R$ 4,40 da volta. É o que sobra do valor da diária”, lamenta a trabalhadora.
Na casa em que fez o trabalho esporádico, Zilma cobra R$ 120,00 pela limpeza. Naquele dia, ela voltou para casa com R$ 78,60. “É complicado, mas a gente tem que trabalhar e ainda se deparar com essas condições dos ônibus”, acrescentou.
Em Mato Grosso do Sul, trabalhadores domésticos recebem a menor média entre as categorias, de R$ 1.153 mensais. Se não representa toda uma categoria, ao menos, dá voz a boa parte dos 98 mil colegas de ofício no Estado.
Acordar cedo e enfrentar um transporte público lotado e locais de parada sem condição mínima de permanência não é exclusividade de Zilma. A rotina da diarista se confunde com outras tantas histórias de trabalhadores domésticos campo-grandenses.
“Com essa chuvarada, de manhã é água e barro. É uma vergonha, a gente paga e eles [empresa] só querendo aumentar. Ônibus é sempre cheio, já benfeitoria muito pouco. É complicado”, Célia da Cruz, 57 anos.
Moradora da Vila Jaci, bairro da região sul, Célia sai às 6h40 de casa para chegar a tempo no trabalho localizado no Bairro Chácara Cachoeira. Ali, a diarista faz a limpeza duas vezes por semana, ao valor de R$ 150 cada.
Em geral, quanto mais próximo do centro da cidade, melhor a condição dos pontos. Porém, a parada da Rua Coronel Cacildo Arantes, considerada uma área nobre, é uma exceção. O mato alto toma conta da estrutura, sem cobertura ou assentos. Neste período de chuvas, a precariedade se torna mais penosa.
Já em relação à frequência dos horários, Célia diz que ali o tempo é razoável, sendo de 40 em 40 minutos, mas em outro ponto que usa para chegar a um condomínio no Parque dos Poderes, o usuário tem de ter muita paciência. Isso porque o tempo de espera das linhas que fazem essa rota é maior. “Antes da pandemia de covid-19 ainda tinha outro, o 'TV Educativa', mas passou o período e não voltou. Hoje só tem o Parque dos Poderes”, informou.
Recentemente, por meio de recursos estaduais, o Parque dos Poderes passou por revitalização e hoje conta com 46 pontos de ônibus, sendo 35 com cobertura termoacústica (isolamento da temperatura e som).
Na região em que trabalha, a diarista se sente mais segura. Já na localidade onde mora, relata que já foi assaltada. Pontos de ônibus são alvos de bandidos, que geralmente aguardam o momento certo em que usuários do transporte público, geralmente mulheres sozinhas, descem dos ônibus. “Eu tinha acabado de descer do ônibus e estava indo para casa quando um homem chegou por trás que encostou um objeto nas minhas costas e anunciou o assalto. Daí nem olhei para trás e entreguei meu celular”, lamentou.
Já a prefeitura também instalou cinco estações de embarque e desembarque no corredor da Rui Barbosa e dois pontos de ônibus por meio do Reviva Campo Grande, além de cinco estações no corredor da Rua Brilhante.
Em nota, a prefeitura informou que "em casos de mato alto decorrente de áreas particulares, a limpeza e manutenção é de responsabilidade do proprietário do terreno. Já em áreas de passeio, a Sisep (Secretaria Municipal de Infraestrutura e Serviços Públicos ) faz a manutenção e fiscalização da área".
A manutenção é realizada pela Agetran por meio de fiscalização e denúncias protocoladas no 156 ou pelo Fala Campo Grande.
Confira a galeria de imagens: