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Capital

Áudio prova que Deam abandonou Vanessa

Vanessa descreve em 4 minutos como própria polícia não deu alternativas senão ela voltar para onde foi morta

Por Gabriel de Matos e Lucas Mamédio | 14/02/2025 21:00

Áudio da jornalista Vanessa Ricarte, de 42 anos, enviado a um amigo após ser atendida pela Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) mostra que a própria polícia induziu ela a voltar para casa onde foi brutalmente assassinada com três facadas no peito pelo ex-noivo, Caio Nascimento nesta quarta-feira (12).

RESUMO

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Áudio revela que a jornalista Vanessa Ricarte, assassinada pelo ex-noivo, foi desencorajada pela Delegacia da Mulher a buscar proteção. Vanessa relatou atendimento frio e falta de apoio, sendo orientada a voltar para casa, onde foi morta. O caso expõe falhas no atendimento a vítimas de violência doméstica, contradizendo declarações da delegada responsável. A Polícia Civil investiga o ocorrido, enquanto a sociedade questiona a eficácia das medidas protetivas e o suporte oferecido às vítimas.

No áudio, ela relata que foi atendida de forma fria pela delegada, que o noivo estava sendo protegido e que foi mandada de volta sem apoio. No mesmo dia, no fim da tarde, ela foi assassinada. Vanessa chegou a ser resgatada, mas morreu por volta das 23h55 de quarta-feira (12), depois de passar por cirurgia no Hospital da Santa Casa de Campo Grande. O autor do feminicídio está preso.

O Campo Grande News teve acesso a um áudio de quatro minutos em que Vanessa explica como foi atendida na Delegacia da Mulher. Está claro que ela não tinha segurança em voltar ao local com Caio presente, conta que estava pensando com amigo, o também jornalista Joilson Francelino, o que fazer. Foi justamente Joilson que estava com ela no momento do crime e que quase foi morto por Caio também.

 "Eu fui falar com a delegada e explicar toda a situação. Ela me tratou bem fria, seca, toda hora me cortava. Eu queria ver o histórico da pessoa [Caio] e falou para mim que não podia passar". Na sequência, a delegada teria dito que Vanessa já sabia dos históricos de agressões de Caio.

Depois, Vanessa relatou à delegada que Caio mandava mensagens informando que conversava com o sogro e que não conseguia falar com ela. Conforme a fala, Vanessa estava há dois dias fora de casa, sem tomar banho. Nisso, a delegada disse: "Então vai para a sua casa, você já avisou ele, manda uma mensagem falando para ele [Caio] deixar a casa."

Áudio prova que Deam abandonou Vanessa
Vanessa ao lado do autor do feminicídio, Caio Nascimento (Foto: Redes Sociais)

Vanessa, na sequência, lamentou que a Deam não entendeu a dimensão da situação e que Caio já tinha dito que só sairia de casa com a polícia. "Mas de qualquer forma, eu vou ter que ir lá na casa". Além disso, em áudio, Vanessa diz que a medida protetiva ainda não pôde ser assinada porque depende de um mandado judicial.

No final, Vanessa cita que está decepcionada e esgotada mentalmente. "Eu estou me sentindo culpada, porque eu fui registrar o BO [boletim de ocorrência]. Eu estou bem impactada com o atendimento da Casa da Mulher Brasileira. Eu que tenho toda a instrução, escolaridade, fui tratada dessa maneira, imagina uma pessoa, uma mulher vulnerável lá. Essas que vão para a estatística do feminicídio".

Áudio prova que Deam abandonou Vanessa
Vanessa Ricarte foi a segunda vítima de feminicídio em Mato Grosso do Sul no ano (Foto: Redes Sociais)

O que é relatado por Vanessa no áudio desmente totalmente o que foi dito pela delegada titular da Deam, Elaine Benicasa e pela adjunta, Analu Ferraz, na quinta-feira (13), em entrevista coletiva. As duas enfatizaram em 20 minutos falando à imprensa que foi dado todo suporte à Vanessa, mas que ela não teria aceitado e que decidiu ir por conta própria à casa. "Às vezes, a gente não acredita na potencialidade do agressor ou a gente não imagina que isso vai acontecer com a gente. Todo agressor de violência doméstica é um potencial feminicida", disse Analu na ocasião.

Curioso que, pelo menos no áudio, Vanessa dá a entender que é ela quem tem a dimensão do perigo que Caio oferece e não a delegada, conforme tenta explicar à adjunta. "Então assim, eles não entendem né, a dimensão do negócio. Porque ele já tinha falado para mim que só saía de casa com a polícia. Mas de qualquer forma eu vou ter que ir lá na casa e vou falar com ele isso aí", disse Vanessa em trecho do áudio.

Em vídeo, o delegado-geral da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, Lupérsio Degerone Lucio, deu um posicionamento sobre os relatos divulgados em áudio. Ele afirma que a "Polícia Civil está e estará sempre do lado da vítima e dos familiares. Externamos a nossa solidariedade".

Lupérsio disse ainda que, por orientação do governador do Estado, Eduardo Riedel (PSDB) e da Sejusp (Secretária Estadual de Justiça e Segurança Pública), foi instaurado um procedimento para apurar a situação. "Quero enfatizar que tivemos uma reunião para aprimorar o atendimento às vítimas no âmbito da delegacia até o posterior deferimento das medidas".

Confira a íntegra do áudio de Vanessa Ricarte enviado a um amigo:

Não aconteceu nada, porque assim, eu fui falar com a delegada, fui tentar explicar toda a situação e do jeito que ela me tratou também, bem prolixo, sabe? Bem fria, seca e ela toda hora me cortava assim, eu queria entender, quem que é essa pessoa? Vê o histórico da pessoa e falou para mim que não podia passar o histórico dele, mas que eu já sabia, porque ele mesmo tinha falado de agressões.

Aí eu falei: "Não, que eu queria entender a natureza dessas agressões". Porque ele falou para mim que foi porque a mulher ameaçou a filha dele, enfim. Aí ela falou: "Não, você aí, você não vai falar, eu não vou, não posso te passar isso aí, é sigiloso, sigilo". Sim, parece que tudo protege o cara, né, o agressor. E aí ainda não foi nem mandado, tem que ter um mandado, né, judicial.

Então, hoje, por exemplo, não tem como ele assinar essa medida protetiva e passou aqui o telefone da oficial de justiça, né? Passou a senha do processo para eu ficar consultando. E do boletim de ocorrência, ela falou que não adianta acrescentar, porque não vai mudar muita coisa, porque já foi para o judiciário.

E ele tá aí me perguntando, se eu falo com você, seu pai conversa comigo, você não conversa nada. Eu falei, mas eu preciso voltar para a minha casa, preciso tomar banho, faz dois dias que eu não tomo banho, troco de roupa. Aí ela 'então vai para a sua casa, você já avisou ele, manda uma mensagem falando para deixar a casa'. Então assim, eles não entendem né, a dimensão do negócio. Porque ele já tinha falado para mim que só saía de casa com a polícia. Mas de qualquer forma, eu vou ter que ir lá na casa e vou falar com ele isso aí.

Se ele falar que ele não vai sair, aí eu vou ter que acionar a polícia. Aí meus pais estão vindo, já vão brigar comigo, tudo porque [vão] falar que eu fui precipitada, que esse cara depois vai me matar e tal, não tem o que fazer, porque ele só vai preso se tiver flagrante. Por isso que ele não foi preso no caso da Leca, né? Ele fugiu do local do crime. Ele não tinha flagrante, não sei como que esse cara não foi preso depois.

E, eu tô aqui, pensando, raciocinando o que a gente pode fazer. E se for preciso, sei lá, aciona a doutora Cantes para ela acionar o MP, que é através do marido dela. Sei lá. É uma coisa desse sentido, é uma via que eu tenho, né?

E é isso, assim, eu tô bem, bem impactada com o atendimento da Casa da Mulher Brasileira, sabe? Eu que tenho toda a instrução, escolaridade, fui tratada dessa maneira, imagina uma pessoa, uma mulher vulnerável lá, pobrezinha, vamos dizer assim, chegar lá toda vulnerável sem ter uma rede de apoio nenhuma. Chegar lá, essas que são mortas, né?

Essas que vão para estatística do feminicídio. E é isso. Eu tô esgotada mentalmente falando. Perdida, sabe? Tô decepcionada. Aí eu tô me sentindo culpada, porque eu fui registrar o BO hoje de madrugada. Sabe, não briga comigo.

É uma coisa assim que eu fiquei chateada com meu pai falando: "Não, esse cara pode pegar depois, você não sabe o que vai dar e tal, não sei o quê". Então, eu fazendo ou não fazendo pelo que você disse, né? Eu não fazendo ou fazendo o boletim de ocorrência, ele pode me agredir de qualquer maneira, né?

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