Brincadeira perigosa, criançada não se intimida com rio nem após morte de menino
Temperaturas altas, proximidade do Rio e falta de lazer fazem com que água vire parque de diversões, que não é nada seguro
A dor de uma família, depois de dias de buscas até encontrar o corpo do menino Samuel Henrique dos Santos, de 8 anos, que morreu afogado no Rio Anhanduí não chega a intimidar a criançada que hoje pula e mergulha no mesmo rio. Sem aulas, soma-se as altas temperaturas com a falta de lazer na região para o resultado ser este: cinco crianças desacompanhadas brincando no rio.
Mesmo com a equipe alertando para o perigo, antes de fotografá-los, a criançada virou as costas e continuou no local. Eles aparentavam ter entre 5 e 11 anos.
Os moradores da região conhecida como Comunidade Lagoa se preocupam com os riscos e quem tem criança em casa, garante que não deixa brincar por ali. Torneiro mecânico, Cândido Gonçalves, de 31 anos, mora há três anos em um dos barracos de um corredor pertinho do rio, com a esposa e as três filhas de 11, 6 e 4 anos.
De pronto, ele diz que as crianças não têm o hábito de tomar banho no rio e que repete quase que diariamente o quanto é perigoso chega ali perto. "Primeiro que esse rio nem é próprio para banho, é contaminado. As minhas filhas só vão na beira do rio acompanhadas, comigo ou com a minha esposa. Mesmo assim, ninguém entra", ressalta.
Acostumado a ver a criançada fazer do local um quintal de brincadeiras, o torneiro mecânico diz que a maioria das vezes são meninos e o mesmo grupo. "Acho que se tivéssemos uma estrutura para esporte, parque na região, tiraríamos um pouco a atenção das crianças em cima do rio. O cuidado dos pais também é primordial, você tem que saber onde e com quem seu filho está andando", enfatiza.
Para Cândido, existe ainda o agravante da falta de responsabilidade dos pais tanto nos cuidados com o perigo que o rio traz quanto a saúde das crianças.
Eles ficam expostos à doenças. Nós já mostramos o rio para as nossas filhas, mas banho ali nunca ninguém tomou", completa sobre a sua família.
Vendedora, Taize Mineli Rodrigues da Costa, de 28 anos, mora em uma das casas da Rua Sebastião Ferreira, no Jardim Colorado, que faz fundo com o rio. "A gente não vai lá de jeito nenhum", responde quando questionada pela equipe.
O medo é o maior "aliado" de Taize na hora de manter a segurança da família. "Eu explico para a minha filha de 4 anos colocando muito medo nela e em tudo. Eu falo que não pode ficar sozinha na frente de casa se não alguém vai pegar ela e que ela não pode ir no rio se não vai morrer afogada. Para os psicólogos, eu posso até parecer louca de colocar medo na minha filha, mas faço isso porque de tanto eu falar, ela vai absorver e manter isso pra vida toda", relata.
O barulho que ela ouve de casa demonstra o quanto a brincadeira rola solta no rio. "Daqui ouvimos crianças e muita gente tomando banho mesmo. Vejo passando com as roupas molhadas e é sempre o mesmo grupo", descreve. "Já vi criança passa sozinha aqui, de 6 ou 7 anos, indo para o rio", acrescenta.
Recicladora, Patrícia dos Santos, de 38 anos, é uma das pessoas que faz do rio extensão de sua casa, justamente por não ter uma. Ela e os quatro netos, moram num barraco com dois cômodos sem banheiro e fazem de chuveiro e vaso o Rio Anhanduí.
"As crianças só tomam banho quando tem um adulto junto e todos os dias tomamos banho no rio, mas eles vão acompanhados da gente", diz. As crianças têm 10, 5, 3 anos e ainda um bebê de seis meses.
Eu já mostrei que não pode ir para o córrego se não eles morrem também. É que é complicado a gente que não tem condição de comprar casa nem pagar aluguel. Por isso acabamos tendo que ir tomar banho no rio e fazer cocô e xixi lá", justifica Patrícia.
As idas ao rio revelam um contexto social precário, de famílias sem casa e crianças sem estrutura de lazer próxima. Motorista, Manoel Macedo, de 46 anos, é vizinho de Taize, a vendedora que usa o medo para proteger a filha, na Rua Sebastião Ferreira.
"O meu menino quando tinha uns 8 anos foi uma vez, mas sem eu saber, de brincadeira com a gurizada. Fiquei sabendo e dei uma bronca tão grande que ele nunca mais foi", recorda.
Ele explica que o rio é traiçoeiro e que por isso, quando recebe visitas em casa, não deixa ninguém se aproximar. "Não creio que sejam os pais que deixem as crianças irem lá, sabe? Elas que se juntam e vão brincar. Pra mim, em qualquer rio, criança só vai se tiver acompanhada", acredita.
Alerta - As orientações do Corpo de Bombeiros são de sempre, em qualquer que seja a água: rio, lagoa, piscina ou mar, supervisionar as crianças. "Quando tem criança, tem que ter sempre a supervisão de um adulto. A questão de boia, de colete, não substitui a supervisão de um adulto", adverte o tenente-coronel Fernando Carminatti.
"Boia pode furar, colete escapar ou abrir. Então, a supervisão tem que ser sempre de um adulto e na distância de um braço", completa.
Junto com qualquer cuidado, os bombeiros alertam que crianças e adultos só devem entrar em locais próprios para banho. "Caso tenha questão ou tempo de chuva, é preciso sair do local de banho, porque existe além de aumentar subitamente o nível do rio, o perigo de raios também", diz Carminatti.
Competições também não devem ser disputadas em rios ou lagoas, e é preciso evitar entrar em água que ultrapasse a altura do umbigo, além de claro não beber e se jogar na água.