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Capital

Carandiru amanhece sem luz e com medo de nova operação

Com 46 apartamentos alvos de buscas, a operação foi deflagrada na manhã de ontem contra a criminalidade

Viviane Oliveira e Mariely Barros | 07/06/2023 10:26
Fabiana coando o café no escuro (Foto: Henrique Kawaminami)
Fabiana coando o café no escuro (Foto: Henrique Kawaminami)

Um dia após a operação “Abre-te Sésamo”, deflagrada na manhã de ontem (6), contra a criminalidade, os moradores do antigo Residencial Atenas, conhecido como Carandiru, no Conjunto Mata do Jacinto, afirmam que a rotina ainda não voltou ao normal. Um dos motivos é a falta de luz. A energia foi cortada durante a ação que envolveu 277 policiais em Campo Grande. No total, 13 pessoas foram presas.

A dona de casa Fabiana Santos, de 35 anos, vive há 15 anos no bloco 1 do condomínio com a mãe, de 63 anos, o padrasto, dois irmãos, o marido e os quatro filhos, de 17, 15, 11 e 7 anos. Na casa dela, ninguém foi preso ou chamado para prestar esclarecimento. Ela disse que ainda tenta retomar a rotina, mas o que dificulta é a falta de energia. “Hoje cedo, um rapaz da Defensoria Pública tirou fotos da fiação. Muita gente era regular e pagava certinho a conta de luz”, lamentou.

Fabiana mostrou para a equipe de reportagem o último talão de energia que foi pago no valor de R$ 700. Uma das preocupações é com a medicação da mãe. “A insulina líquida que ela usa tem que ficar guardada na geladeira”, contou. Fabiana relembra que a primeira pessoa da família que se mudou para o Carandiru foi a mãe. "Antes disso, ela vivia em situação de rua".

Conforme a dona de casa, os filhos também não foram para a escola, porque estão com medo de outra operação, de voltar da escola e se depararem com a polícia na casa novamente. “Teve gente também que não foi trabalhar com medo de deixar os filhos sozinhos. Tem vizinhos que passaram a noite pesquisando outro local para morar. Eu não tenho para onde ir”, afirmou.

A medicação da mãe de Fabiana fica guardada na geladeira (Foto: Henrique Kawaminami)
A medicação da mãe de Fabiana fica guardada na geladeira (Foto: Henrique Kawaminami)

Com sequelas de um AVC que sofreu há um ano e meio, Dionise de Oliveira, de 65 anos, teve a porta da casa estourada na ação. Vivendo com renda de R$ 600 do Auxílio Brasil, enquanto aguarda a aposentadoria, a mulher espera viver dias mais tranquilos daqui para frente.

Ela disse que ficou com medo no momento em que os policiais entraram no apartamento dela e à noite demorou para pegar no sono. “Meus filhos saem para trabalhar e não têm hora para voltar. Aqui no condomínio também vive gente boa e trabalhadora”, garantiu. A idosa se mudou para o Carandiru com os dois filhos depois de se separar do marido.

Conforme Dionise, ainda não saiu da área porque não tem condições de pagar aluguel em outro lugar. “Estou com a minha documentação em dia no Cras [Centro de Referência de Assistência Social] aguardando uma casa popular da prefeitura ou o aluguel social [custeado pelo executivo para famílias carentes]”, destacou.

Dionise vive com sequelas de uma AVC e não vê a hora de conseguir se aposentar e ter uma moradia digna (Foto: Henrique Kawaminami)
Dionise vive com sequelas de uma AVC e não vê a hora de conseguir se aposentar e ter uma moradia digna (Foto: Henrique Kawaminami)

O defensor público Carlos Eduardo Oliveira disse que alguns aspectos referente à operação precisam ser reavaliados, para saber se houve violação de direitos ou não. “Hoje, eu vim aqui para verificar sobre essa questão da suspensão de energia. Vamos ouvir família por família. Quem se sentiu prejudicado com a operação pode procurar o anexo da Defensoria no Fórum, principalmente quem acha que teve o direito violado. O primeiro passo será documentar as violações e, depois, judicializar os casos pertinentes”, explicou.

De acordo com o defensor, há pessoas doentes vivendo no condomínio e os direitos fundamentais delas precisam ser garantidos. “As pessoas aqui estão em uma situação de vulnerabilidade e elas não têm local adequado para irem”.

Walter Romeiro durante entrevista à reportagem (Foto: Henrique Kawaminami)
Walter Romeiro durante entrevista à reportagem (Foto: Henrique Kawaminami)

Ainda angustiado, o açougueiro Walter Romeiro de Vasconcelos, de 42 anos, se emocionou enquanto falava com a equipe de reportagem. Ele disse que foi levada pela equipe policial uma pasta roxa contendo várias fotos de família, o atestado de óbito da mãe dele e alguns documentos.

“Hoje, vou lá na 3ª Delegacia de Polícia tentar recuperar a pasta e uma mochila com a luva que uso para trabalhar”, relatou. Segundo ele, está fazendo teste para emprego em um açougue e precisa do equipamento. Walter se mudou para o Carandiru ainda quando a mãe era viva, porque os dois moravam em casa de aluguel, há quase 20 anos.

Segundo a Energisa, a concessionária foi notificada pelo Corpo de Bombeiros através de auto de interdição sobre as inconformidades estruturais e de segurança do condomínio, e portanto, a necessidade de suspensão do serviço na região por questões de segurança da comunidade local. "A distribuidora segue em contato com a Defensoria Pública, Corpo de Bombeiros e Polícia para resolver a situação dos moradores".

Policiais durante a operação de ontem (Foto: divulgação / Polícia Civil) 
Policiais durante a operação de ontem (Foto: divulgação / Polícia Civil)

Operação - Com 46 apartamentos alvos de buscas, a operação foi deflagrada na manhã de ontem (6), contra a criminalidade dentro do condomínio invadido há 19 anos. “Centro de criminalidade”. Foi assim que a Polícia Civil se referiu à área. Foram 13 pessoas presas, entre elas duas mulheres e um adolescente.

O delegado Régis de Almeida, da 3ª Delegacia de Polícia e um dos responsáveis pela ação, contou que durante a busca e apreensão no prédio foi identificado um espaço com muitas marcas de sangue e fezes. Chamado de “cantoneira”, a área encontrada era certamente usada para torturar, castigar e matar desafetos ou pessoas que desrespeitavam as regras dos líderes da localidade.

Histórico do Carandiru - Há quase duas décadas, o imóvel se tornou situação incômoda. No processo, consta que a construção dos três blocos que fazem parte do Residencial Atenas (A, B e C) ficou pelo caminho a partir de 2002, quando a Construtora Degrau Ltda passou a enfrentar dificuldades financeiras.

No projeto, cada bloco teria 16 apartamentos, com três quartos, sala, cozinha e dois banheiros. Em 2003, a empresa decretou falência e, um ano depois, no dia 1º de outubro de 2004, famílias ligadas ao Movimento Nacional em Prol da Luta pela Moradia invadiram os apartamentos.

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