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Capital

“Chorei por quem não consegui salvar”, diz Ruan, há 365 dias na linha de frente

Em 2020, enfermeiro viu coração fraquejar diante de paciente com cara do avô

Aline dos Santos | 14/03/2021 08:23
Ruan é enfermeiro em dois hospitais de Campo Grande e há um ano testemunha as dores da pandemia.
Ruan é enfermeiro em dois hospitais de Campo Grande e há um ano testemunha as dores da pandemia.

Na virada do ano, quando 2020 abriu lugar para 2021, o enfermeiro Ruan Diego Dias, 28 anos, que trabalha em dois hospitalares particulares de Campo Grande, viu a tradicional alegria do Réveillon virar lágrimas.

“Passei em casa e na hora da meia noite chorei bastante por todas aquelas pessoas. Tenho gratidão por conseguir ajudar. Mas a gente se sente um pouco culpado por quem não conseguiu salvar. Sempre tem a esperança de que todo mundo fique bem”, diz.

Da linha de frente, um enfermeiro testemunha o avanço rápido da doença, a solidão dos pacientes e a preocupação de profissionais e pacientes num momento crucial: a hora de intubar.

Até 2020, ano que o coronavírus aportou em Mato Grosso do Sul, onde os primeiros casos foram confirmados em 14 de março, Ruan nunca tinha participado de tantos procedimentos de intubação num mesmo plantão.

Nos períodos mais críticos, como em dezembro, o procedimento passou a ser rotina, com um paciente atrás do outro. Num deles, o coração fraquejou e Ruan pediu para ser substituído por colega.

“Era um senhor de 75 anos. Chegou consciente e orientado, mas foi tendo a evolução, com chance muito grande de intubação, o padrão respiratório era muito ruim. Fisicamente, ele lembrou muito o meu avô materno, uma pessoa com quem tinha uma ligação muito forte. Ele morreu em 2014. Foi um sentimento diferente, ele pediu para não ser intubado, tinha medo. Era como se o me avô estivesse pedindo”, relata. O paciente faleceu sete dias depois do procedimento.

Em um ano, quem vê a covid-19 da linha de frente teve que se habituar aos equipamentos de proteção individual, ao agravamento dos pacientes e há muitos adeus. Mas o que um enfermeiro que testemunha tamanho sofrimento não se acostuma é com o descaso de muitos em relação à doença.

“Acham que é brincadeira. Mesmo que a pessoa não tenha medo de contrair, ela precisa pensar que tem pai, avó. Pensa, seu pai ou sua mãe te liga, fala que está ruim e vai para o hospital. Precisa ser entubado. Não tem visita. A pessoa evolui mal, vai a óbito. Para, pensa. Não vai ver nem dentro do caixão”.

Daqui em diante, a esperança pela chegada de mais vacinas. Enquanto isso, a guerra diária, os profissionais se equilibram entre as dores, o perigo e a gratidão. “No último plantão, recebemos um bilhetinho de um filho que tinha pai e mãe internados no CTI”, conta Ruan, agradecido por poder, ao menos, ofertar oxigênio e acolher os pacientes num momento tão difícil.

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