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Capital

Cidade perdeu controle e aumento da dependência química é evidente no Centro

Comerciantes, principalmente da Calógeras, dizem que a situação fica pior dia a dia

Geniffer Valeriano | 20/09/2023 09:45
Com cobertas e mochilas moradores de rua passam dia e noite na Av. Calógeras (Foto: Henrique Kawaminami)
Com cobertas e mochilas moradores de rua passam dia e noite na Av. Calógeras (Foto: Henrique Kawaminami)

O aumento da movimentação de dependentes químicos na Avenida Calógeras, evidencia uma preocupação já crônica entre os comerciantes do Centro de Campo Grande. Os anos passam e a falta de uma política efetiva contra o consumo faz as cenas de brigas, esfaqueamentos, furtos e invasões crescerem dia a dia e a situação "saiu do controle", alerta quem vende ou compra na região.

A reportagem foi conferir a situação relatada e encontrou ao menos dez homens e mulheres em frente ao prédio onde funcionava o Labcen (Laboratório Central Municipal). Ainda em 2022 o local teve suas portas e janelas fechadas pois estava sendo invadido e depredado.

Durante os 40 minutos em que a reportagem ficou na avenida, foi possível notar a agitação dessas pessoas e os frequentes desentendimentos entre eles.

Com uma loja há 20 anos na Calógeras, Geonava Rossignol, de 45 anos, afirma que o número de moradores de rua na região vem aumentando há cerca de seis meses. “Agora, eu não sei porque, mas estão reformando a rodoviária, então eles estão fazendo isso aí de moradia, né?”, diz em referência ao prédio onde funcionava o antigo Terminal Rodoviário da Capital que fica próximo à Avenida Calógeras.

Fios arrebentados foram deixados após furto de fiação (Foto: Henrique Kawaminami)
Fios arrebentados foram deixados após furto de fiação (Foto: Henrique Kawaminami)

Geovana diz que com a presença de muitos dependentes químicos o número de clientes tem diminuído. “O pessoal fica com medo de circular por aqui, né? Atrapalha bastante. Agora mesmo, você não viu? Começaram a brigar ali, aí o pessoal fica com medo de passar aqui. É o dia todo assim”, conta.

Comerciantes que ficam na outra ponta da quadra também reclamam de constantes furtos. A vendedora Darlene Oliveira, de 27 anos, conta que a loja onde ela atende já teve a fiação furtada. Outros eletrodomésticos também foram levados durante a noite, no início do ano.

“O negócio é que eles pedem muito para ir ao banheiro aqui, né? A gente não nega, a gente deixa, mas só que é algo desconfortável para a gente, porque tem que ficar em cima 24h. Às vezes, eles enrolam, alguns querem tomar banho se deixar. Aí tem que ficar em cima, porque o banheiro fica dentro da cozinha e tem um quartinho ali que não fecha e fica com todas as nossas coisas, então tem que ficar em cima”, relatou.

Darlene também cita impactos em um restaurante que há na quadra. Sem saída, o dono distribui comida. “Porque eles [o restaurante] não negam, eles sempre dão no final do expediente deles, mas é 24 horas sentado ali esperando, enquanto eles não dão, eles [moradores de rua] não saem dali”.

Dependentes químicos sentados em torno da antiga rodoviária (Foto: Marcos Maluf)
Dependentes químicos sentados em torno da antiga rodoviária (Foto: Marcos Maluf)

Até mesmo quem está há pouco tempo trabalhando na região relata insegurança. Letícia Menom, de 27 anos, está atendendo na região há dois dias, mas relata que já levaram uma roupa que estava exposta em um manequim.

A loja onde ela trabalha também é um dos locais onde pessoas procuram para pedir água ou para ir ao banheiro. Com medo de sofrer represálias, Letícia diz que acaba permitindo.

“Às vezes as pessoas têm receio de vir aqui perto quando eles estão aqui, né? Às vezes a gente tá trazendo cliente, eles entram, ficam pedindo as coisas, pedindo água, pedindo para usar o banheiro. Então acaba atrapalhando mesmo. A gente não sabe o que eles podem fazer ou não", pontua.

A reportagem foi até a antiga rodoviária, que fica na Rua Barão do Rio Branco, perto da Calógeras para verificar a movimentação. Encontrou moradores de rua fumando cigarros embolados e cachimbos, além de muitas bebidas alcoólicas. Por toda a calçada havia lixo espalhado. O quintal de um prédio que está com placas de venda foi invadido e acumula colchões.

Alexandre Kaue Fernandes, de 30 anos, tem um comércio na região e contou que pouco antes de as obras no antigo Terminal Rodoviário começarem, os moradores de rua haviam sido retirados do local.

Eles foram embora e depois eles voltaram de novo. Eles voltaram aos poucos, vem um, vem dois. Eles dispensaram por causa da Polícia. Eles vêm e fazem aquela cena, todos vão embora, mas depois eles voltam. Também ficam vendendo drogas, então aí atrapalha a população. O que atrapalha mesmo são os traficantes, porque se não tivesse eles não iriam ficar usando aqui”, disse.

O comerciante ainda conta que as brigas constantes entre dependentes químicos assustaram a sua clientela. Em alguns casos, o cliente até tenta voltar em outro horário, mas há quem prefira não se arriscar.

Colchões e cobertores ficam espalhados em terreno de prédio à venda (Foto: Marcos Maluf)
Colchões e cobertores ficam espalhados em terreno de prédio à venda (Foto: Marcos Maluf)

Temendo sofrer represálias, um taxista, de 67 anos, que trabalha há 11 anos na área, aceitou conversar com a reportagem sem divulgar sua identidade. O motorista afirma já ter sofrido ameaças por se recusar a transportar dependentes químicos.

Atrapalha muito, à noite mesmo eu não fico, cinco horas eu já estou indo embora. Senão eles querem ir no Nhanhá, querem pegar você pelo pescoço. Ameaça, dizem: 'me leva lá que depois eu pego'", contou.

Ainda é dito pelo taxista que no mesmo ponto em que ele trabalha há outros dois motoristas. Os seus colegas pouco ficam no local, pois desde que o movimento de clientes começou a cair, os motoristas migraram para os aplicativos de mobilidade.

O taxista diz que com o início das obras na antiga rodoviária a situação teve uma leve melhora. "Deu uma melhorada, mas não foi muito não, foi pequena. Eles tiram tudo as coisas, mas depois eles voltam, parece que dá cria esse povo (sic)".

Dependentes químicos fumam cachimbo e cigarro embolado (Foto: Marcos Maluf)
Dependentes químicos fumam cachimbo e cigarro embolado (Foto: Marcos Maluf)

Assistência - Procurada pelo Campo Grande News, a SAS (Secretaria Municipal de Assistência Social) informou que não trabalha com pesquisas que quantifiquem o número de pessoas em situação de rua na Capital, tendo somente dados referente ao número de atendimentos realizados. Até o primeiro semestre deste ano, foram realizados mais de 2 mil acolhimentos.

A Secretaria também disse que equipes da Seas (Serviço Especializado em Abordagem Social) realizam atendimentos a essa população nas setes regiões de Campo Grande. Os servidores fazem abordagens sociais 24h por dia, nos sete dias da semana, incluindo feriados e finais de semana.

Durante os trabalhos, as equipes buscam sensibilizar a pessoa abordada sobre o risco social que se encontra, oferecendo o acolhimento institucional ou encaminhamento para tratamento da dependência química em Comunidades Terapêuticas por meio da parceria com a Subsecretaria de Direitos Humanos - SDHU. Atualmente, existem 11 comunidades, vinculadas à pasta, que dispõem de 300 vagas para tratamento da dependência química.

"Ocorre que, no momento em que a pessoa está sob efeito de substância psicoativa, dificilmente aceita o acolhimento. No entanto, é importante salientar que as equipes do SEAS retornam por diversas vezes durante a semana, aos locais onde houve recusa de acolhimento, sempre na tentativa de convencer a pessoa sobre a importância de ser acolhido em uma de nossas quatro unidades ou em alguma comunidade terapêutica", diz trecho da nota.

Pontos e locais onde há moradores de rua podem ser informados para a Secretaria através dos telefones: (67) 99660 6359 e (67) 996601469. Assim, os servidores poderão realizar as abordagens, além das buscas ativas.

Prédio da antiga rodoviária no Centro de Campo Grande (Foto: Marcos Maluf)
Prédio da antiga rodoviária no Centro de Campo Grande (Foto: Marcos Maluf)

Reforma - No dia 5 de julho de 2022, as obras de revitalização do Terminal Rodoviário Heitor Eduardo Laburu, em Campo Grande, foram iniciadas. A largada nos trabalhos foi dada com o isolamento da área onde haverá intervenção, com a colocação de tapumes. Até o momento, as obras não foram encerradas.

No total, serão investidos R$ 15,3 milhões do Ministério do Desenvolvimento Regional, enquanto o município dará contrapartida de R$ 1,2 milhão, totalizando R$ 16,5 milhões. O contrato já foi assinado e prevê prazo máximo de execução de 360 dias (cerca de um ano).

O projeto de revitalização abrangerá as áreas públicas nos dois pisos do prédio, que somam 5,1 mil metros quadrados e a construção de 1.070,28 m², em dois andares, na Rua Joaquim Nabuco, entre as antigas plataformas de embarque e desembarque dos ônibus do transporte municipal.

A antiga estação rodoviária tem 30 mil metros quadrados. Construída na década de 1970, ao longo dos anos, o espaço passou por um processo de degradação que provocou o fechamento do centro comercial existente.

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