ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
OUTUBRO, SEGUNDA  14    CAMPO GRANDE 25º

Capital

Com obra emperrada, alunos estudam em escola onde há preocupação com agrotóxico

Cerca de 250 famílias assentadas na zona rural de Campo Grande e de Jaraguari esperam conclusão de nova sede

Por Cassia Modena | 18/10/2023 12:32
O que foi feito em 1 ano e meio: alicerce e um pequeno muro (Foto: Arquivo pessoal/Raul Nunes)
O que foi feito em 1 ano e meio: alicerce e um pequeno muro (Foto: Arquivo pessoal/Raul Nunes)

Placa nenhuma sinaliza que é construída há um ano e meio a nova sede de uma escola pública municipal na região rural de Campo Grande. A obra ainda não saiu da fase inicial. O que se vê é somente a base da construção e um pequeno muro já rebocado.

Sonham em ver o prédio pronto principalmente as cerca de 250 famílias que vivem no assentamento Estrela, localizado entre a Capital e Jaraguari, o município vizinho. Outras que moram em fazendas, chácaras e sítios do entorno também serão beneficiadas.

A obra é resposta à inviabilidade de as crianças e adolescentes da região, além dos próprios funcionários, continuarem frequentando a sede atual da escola – apesar de não terem opção e continuarem lá.

A instituição é a Escola Municipal Leovegildo de Melo. Ela funciona dentro de uma fazenda, num prédio antigo cedido pelo proprietário, que é fatalmente cercado por lavouras de soja onde agrotóxicos são pulverizados. Atende alunos em tempo integral, mesmo sem ter quadra de esportes e estrutura geral considerada adequada para isso.

A região onde fica a escola (Arte: Lennon Almeida)
A região onde fica a escola (Arte: Lennon Almeida)

Contaminação - A maior preocupação é o risco de contaminação pelos defensivos agrícolas. O presidente da associação de moradores do assentamento Estrela de Campo Grande, Raul Nunes, relata que a pulverização é feita à noite, quando a escola não funciona.

Mesmo assim, ele acredita que o risco persiste. "O perigo do veneno da lavoura é constante. É tão forte que o cheiro do veneno ainda está no ar na hora que os alunos chegam", afirma.

Moradora do assentamento conta ter pedido transferência da filha para outra instituição de ensino por causa dos defensivos agrícolas. "Minha menina tinha muita dor de cabeça. A gente acha que é por causa desses químicos. Mudou para uma escola mais longe, mas assim está melhor", diz. A assentada pediu para ter a identidade preservada.

Frente e fachada da sede da escola usada hoje (Foto: Direto das Ruas)
Frente e fachada da sede da escola usada hoje (Foto: Direto das Ruas)

A nova sede ficará bem à mão da comunidade, pois é construída dentro do próprio assentamento da região rural da Capital. Raul garante que não há quem use agrotóxicos nas proximidades. "Até porque os lotes são pequenos e muito próximos uns dos outros. Não há espaço para fazer lavouras tão grandes", explica.

O presidente da associação ainda lembra que a água de poço que abastece a escola precisou começar a ser tratada no passado, devido a outro tipo de contaminação. Foi detectada nele a presença de dejetos de fossa construída antes da instalação da escola. "Paralisamos as aulas na época e conseguimos resolver com muita luta. Hoje, falam que a água não é mais imprópria para o consumo", conta.

Estrutura - A nova sede será construída conforme as especificações técnicas padronizadas pela Semed (Secretaria Municipal de Educação) e terá 1.178,60 metros quadrados, segundo contrato firmado em abril de 2022. A área é maior do que a da estrutura atual, diz Raul.

O prédio em uso fica a cerca de 12 quilômetros do assentamento. Os alunos vão e voltam para casa no ônibus escolar. Com a conclusão do novo prédio, o transporte coletivo poderá até ser dispensado por algumas famílias.

A parte interna da escola (Foto: Reprodução/Facebook)
A parte interna da escola (Foto: Reprodução/Facebook)

A obra prevê a construção de quadra poliesportiva e ampliará a capacidade da escola. Será possível, inclusive, incluir matrícula de jovens e adultos que não concluíram os estudos no tempo ideal. É um desejo antigo da comunidade rural.

No mês passado, em plena onda de calor, as crianças e adolescentes foram dispensados mais cedo porque a bomba d'água da escola estragou. Mães que entraram em contato com o Direto das Ruas denunciaram isso e também a falta de ventiladores nas salas de aula.

Por meio da assessoria de imprensa, a Semed negou que a estrutura existente seja inadequada para os alunos e funcionários aturarem o tempo quente e informou que a água encanada voltou a ficar disponível após reparo do problema.

O Campo Grande News tentou ouvir também a diretora da Escola Municipal Leovegildo de Melo sobre as condições do local e a quantidade de alunos matriculados atualmente, mas não houve retorno.

Atraso - A mudança para a nova sede é indiscutivelmente urgente, ressalta o presidente da Associação. De acordo com o contrato firmado para a construção, a estrutura deveria ter sido concluída em junho deste ano.

As obras envolvem, além da Semed, o MPT (Ministério Público do Trabalho) em Mato Grosso do Sul e o TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul). A entidade trabalhista doou o total de R$ 815 mil para a etapa inicial da construção, enquanto o órgão do Judiciário Estadual entrou com a viabilização de mão de obra dos detentos do regime semiaberto para o trabalho.

Em cooperação técnica, a Semed se comprometeu a investir os recursos que faltarão para finalizar a nova sede, orçada em R$ 2.263.399,79, e a fiscalizá-la. Questionada sobre o atraso da obra, a secretaria se manifestou apenas via assessoria, informando que "a Prefeitura de Campo Grande retomou o procedimento que foi interrompido pela pandemia. O processo de retomada se encontra em fase de celebração para continuidade da obra".

Já a assessoria de imprensa do MPT apontou que houve cobrança quanto à demora. "Devido à constatação de atrasos na execução dos serviços de construção civil, o procurador do Trabalho, Paulo Douglas Almeida de Moraes se reuniu, em setembro, com o secretário municipal de Educação Lucas Henrique Bitencourt, no intuito de que fossem empreendidas medidas cabíveis para agilizar a edificação da nova sede daquela instituição de ensino, dentre elas a contratação de mão de obra prisional, já prevista em cláusula específica do termo de cooperação técnica", pontuou.

O TJMS também foi questionado, por sua vez, se houve ou há atuação dos internos do semiaberto nas obras, mas não respondeu. E a Agepen (Agência Penitenciária Estadual) informou via assessoria que nenhum deles chegou a trabalhar no local até então. Acrescentou, ainda, que "um convênio [com a prefeitura] ainda está em fase de cadastro de internos no CadÚnico (Cadastro Único), que tem uma série de exigências que precisam ser atendidas".

O presidente da associação de pais e mestres da escola, Renaldo Vaz, assumiu o posto há aproximadamente um mês. Ele confirma ter se inteirado de que os esforços são para a contratação de mão de obra carcerária para trabalhar na obra, a exemplo do que já foi feito na reforma de escolas estaduais em Mato Grosso do Sul. "A questão está só emperrada nessa mão de obra", afirma.

Construtora - Contrato foi firmado diretamente entre a Associação de Pais e Mestres e a construtora Rio das Pedras para que a empreiteira se responsabilize pela parte técnica da obra e forneça o material.

Cláusulas dele reforçam a intermediação da Semed e do MPT nas obras, além de citarem que mão de obra deverá ser viabilizada por convênio entre a Prefeitura de Campo Grande na Agepen.

O que os moradores do assentamento têm visto este ano foi a presença de poucos funcionários para dar andamento à obra, só. "Provavelmente da construtora", sugere Raul.

A reportagem entrou em contato com a Rio das Pedras para se atualizar das tratativas. A empreiteira preferiu não se manifestar.

Enquanto isso, as 250 famílias aguardam. "O problema é que até hoje a Semed não conseguiu fazer esse convênio. Ficam lá três a quatro pessoas, por isso não anda. A comunidade é quem está cedendo água e luz, inclusive, ou então a obra estaria totalmente paralisada faz horas", lamenta o presidente da associação de moradores.

Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News.

Nos siga no Google Notícias