Construção civil é risco aos idosos que continuam trabalhando
Falta de equipamentos de segurança e execução de atividades sem registro contribuem com acidentes
Obrigados a continuar a trabalhar após os 63 anos, pedreiros, serventes e auxiliares vivem riscos de lesões, acidentes de trabalhos e até mortes nos canteiros de obras. Isso porque apesar da experiência, os profissionais sofrem com a contratação por trabalhos e a dificuldade em se aposentar por tempo de serviço, já que muitos não são registrados.
Os que já possuem o tempo necessário para abandonar as pás e o cimento não conseguem devido ao salário mínimo recebido na aposentadoria, comprometido pela baixa contribuição. O cenário é exposto pelo presidente do Sintracom (Sindicato dos trabalhadores da construção civil de Campo Grande), José Abelha Neto.
Para ele, um dos problemas na construção civil é motivado, principalmente, por empresas terceirizadas, que muitas vezes não oferecem os acessórios de seguranças chamados de EPI (Equipamento de Proteção Individual) ao trabalhador.
“Tem empresas que não cumprem. Hoje nós temos um problema muito sério que é a terceirização. Ela muitas vezes não dá o treinamento. Temos nos bairros várias construções de pequenas empresas que contratam o trabalhador e às vezes não registra a carteira dele e não dá esse suporte.”
José ainda pontua que, devido à desvalorização do serviço, jovens não se interessam pela mão de obra na construção civil. De acordo com o presidente, o salário bruto de um pedreiro gira em torno de R$ 2 mil e pode chegar a R$ 5 mil se ele for azulejista ou tiver alguma técnica específica. Por causa da ausência de profissionais e a necessidade de sobrevivência, os mais velhos continuam no ramo, mesmo cansados.
“Quando chega lá nos 45, 50 anos ele [trabalhador] já começa a sentir o cansaço e é nesse caso que acaba às vezes acontecendo um acidente. Eles ficam nas obras também para ensinar os mais novos. A rotatividade afeta também. Hoje as obras são de um ano, às vezes seis meses. Depois que ele é dispensado, sofre por meses para voltar de novo ao mercado. Ele acaba pegando os trabalhos informais nas casas e acontece justamente essa falta de comprovação de vínculo empregatício.”
A permanência de pessoas com mais de 60 anos na construção civil levanta debates importantes. O presidente ressalta que até 25% dos trabalhadores do setor trabalham de maneira informal e sem registro, o que acarreta na falta de garantias de direito. Muitos que trabalham desta forma não planejam a aposentadoria, ou seja, não fazem a contribuição ou poupam.
“Dificilmente o trabalhador vai juntar algum dinheiro ou fazer uma poupança para a velhice. Acaba que no final da idade ele não tem outra mão de obra para fazer ou nem mesmo aposentar, então ele fica no mercado de trabalho, se sujeitando ao risco.”
Denúncias - O sindicato chega a receber de três a cinco denúncias presenciais por dia sobre violações de direitos trabalhistas em canteiros de obras e falta de segurança para execução dos serviços. Nos bairros, as construções de casas e pequenos empreendimentos são os locais mais propícios a acidentes, já que muitos não dispõem de EPI e segundo José, não recebem fiscalização mais incisiva do Ministério do Trabalho.
Aposentadoria - José critica a nova reforma tributária que contribui para que pessoas mais velhas continuem no trabalho. “Na verdade, a reforma da previdência veio para acabar com esse direito mesmo de aposentar. A cada dia fica mais difícil. A gente sabe que a aposentadoria hoje caminha para ser por idade, vai acabar o tempo de serviço. Então provavelmente daqui para frente a gente só vai conseguir aposentar por tempo de serviço”.
Existe um outro lado de os trabalhadores realizarem serviços sem registro. Segundo o presidente do Sintracom, há uma falsa verdade sobre o salário. “Hoje o trabalhador procura fazer sem registro porque eles acham que vão ganhar um pouco a mais, ou seja, em uma empreitada”.
Mortes - José afirma que o sindicato não recebe denúncias sobre morte de profissionais em exercício da profissão, mas que as poucas que chegam vêm com atraso. “Eles [empresas] têm medo até de acionar a gente porque o Ministério do Trabalho e o próprio sindicato acabam sendo os últimos a chegar lá, eles tentam fazer tudo por conta deles”.
Em 2022, um pedreiro identificado como Darci Roth, de 65 anos, morreu depois que laje despencou sobre ele em obra na Rua João Vieira de Menezes, no Bairro Rita Vieira, em Campo Grande. De acordo com o Corpo de Bombeiros, ele sofreu politraumatismos.
Na última quarta-feira (17), um homem identificado como Cláudio Sanches Lopes, de 41 anos, morreu ao ser soterrado durante a abertura de uma vala para construção de silos, em fazenda situada na rodovia estadual MS-040, saída para São Paulo, em Campo Grande.
Cláudio estava sozinho quando uma das paredes de aproximadamente 3 metros cedeu. A vítima não usava equipamentos de proteção individual, como capacete, óculos e luvas de segurança.
Apesar de não estar envolvido com a construção civil, a morte de José Alves Nunes, de 72 anos, também demonstra a importância de terceirizadas disporem de EPI. Ele caiu de um telhado de 7 metros, na Escola Municipal Frederico Soares, situada no Bairro Vila Popular, durante a manhã desta quarta-feira (17), em Campo Grande. Ele não usava equipamentos de segurança.
Um exemplo diferente é o incidente que poderia ter vitimado um trabalhador durante uma obra erguida na esquina da Rua Euclides da Cunha com a Rua Nortelândia, no Bairro Santa Fé, em Campo Grande. O homem caiu de uma altura de 4 metros em dezembro de 2023.
A queda foi de um andaime montado no local, que será um escritório de advocacia. Ele é soldador, usava capacete e cinto de segurança quando o acidente aconteceu.
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