"De diabólico não tinha nada": mãe contesta versão e suposta fama de filho morto
Rapaz morto é descrito como trabalhador pela família e moradores do Jardim Anache, que desconhecem apelido
Familiares e amigos de Luiz Fernando Barbosa de Lima, 19 anos, morto em troca de tiros, no Jardim Anache, em Campo Grande, na noite do dia 15 de julho, contestam a versão descrita em boletim de ocorrência, de que o rapaz era conhecido como "Diabólico do Anache". "Menino novo, muito magrinho, de 1,50 de altura, cara de criança e de diabólico não tinha nada", descreve a mãe, Rosimeire Barbosa de Lima, 41.
Na madrugada daquele dia, ocorreu roubo a um carro e Luiz Fernando era suspeito de envolvimento. A mãe afirma que o filho estava desempregado há um mês e acredita que tenha participado do assalto. Contudo, pontua: "até o pior bandido tem mãe e meu filho não era bandido, ele só tinha 19 anos. Eu queria que tivessem dado a chance de ele ser preso para rever o que tinha feito".
Naquela noite, "Gordinho" ou "Batata", como era chamado, estava em uma hamburgueria com os amigos. "Eles [policiais] pegaram o menor que participou do roubo e a namorada do menor ligou para o Fernandinho e falou 'fulano foi preso'. Depois, o menor marcou de encontrar meu filho para entregar uma arma", conta.
Ela acredita que o menor de idade "armou uma casinha" para Fernandinho. No boletim de ocorrência, a Polícia Militar informa que deteve o menor e no momento alegou ter apenas acompanhado os autores do roubo. A PM ainda apontou para Fernando, dizendo que ele era conhecido como "Diabólico do Anache" e a pessoa que deu coronhadas na vítima. Dessa forma, os militares afirmam que foram atrás do suspeito.
"Casinha" - Mensagens de texto comprovam que o menor de idade chamou Luiz Fernando para encontrá-lo em casa, na mesma rua onde foi morto naquela noite. "Ele [Luiz Fernando] chegou em casa e estava cheio de policial, assustou e saiu correndo. Depois de umas duas quadras que levantou a mão na frente do terreno, os policiais atiraram. Em seguida, puxaram pela gola da camisa e arrastaram para o meio do mato", diz a mãe.
Rosimeire estava em casa. "Um colega dele passou aqui, falou para a minha filha que ele tinha sido preso. Quando cheguei da célula da igreja, passou outra colega falando 'mataram o Fernandinho', esse sim era o apelido do meu filho, ou Batatinha ou Gordinho".
Na sequência, a mãe foi atrás de informações, mas custou a ter a identidade do filho confirmada. "Os policiais pediram o nome dele, eu dei e mesmo assim não me deixaram entrar. Perguntei se tinha alguém ferido, disseram que sim, mas não sabiam quem era. Depois, perguntei 'moço quem é que está aí?' e o policial falou 'nós matamos lá embaixo, qual era o apelido do seu filho?'. Eu respondi Batatinha e Gordinho e ele disse 'fica tranquila, que a gente matou o Diabólico do Anache".
A mãe então foi até a unidade de saúde do Bairro Nova Bahia, onde foi informada que o rapaz baleado já deu entrada morto. Apenas no domingo, ela confirmou que a vítima seria o filho Luiz Fernando. "Não consigo dormir direito e nem comer. O sentimento é de injustiça. Não tem dor maior do que tirar um filho da gente do jeito que tiraram, não tem palavras para a dor que estou sentindo", diz ela ao questionar a troca de tiros: "ele não tinha arma, estava só com o celular, não tem como ter confronto só com o celular".
Além disso, não consta no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul passagens criminais no nome de Luiz Fernando Barbosa de Lima. O rapaz era o único homem de três irmãs, de 11, 21 e 23 anos. "Tio super babão, ajudava a cuidar das crianças. Queria que revissem o jeito que mataram o meu filho, nada vai trazer ele de volta, mas meu filho não era essa pessoa perigosa que eles divulgaram, como pintaram ele. Quem sofre agora é a gente", diz Rosimeire. Agora, a mãe pede para receber de volta o celular, brincos e pertences do jovem.
Na região - Moradores do Anache também reforçam o depoimento da mãe. Nunca nem se ouviu o apelido "Diabólico do Anache" na região. "Eu era mais próximo de uma das irmãs dele, mas cresceu aqui no bairro. Que eu saiba, nunca deu trabalho e estou aqui desde 1989. Este apelido nunca rodou, ninguém conhecia ele por esse nome, tanto que ninguém conhecia quando viu na matéria", afirma o azulejista Thiago Maia, de 39 anos.
"Bem provável que inventaram esse apelido na hora, porque se você perguntar para qualquer pessoa quem era o Diabólico do Anache ninguém conhece, agora se falar do menino que morreu ali embaixo, todo mundo sabe quem é", comenta Maia.
O comerciante José Frazão, de 71 anos, também conhece a família de Luiz Fernando. "Conheço desde pequenininho e ele era bem gordinho quando vinha aqui comprar comigo. Esse apelido foi inventado lá na hora com a polícia, porque nunca ouvi falar. Desde pequeno, ele era gordinho, assim que chamavam ele, agora ele estava magro", discorre.
"Não dava trabalho, pode ser que deu em outro canto muito longe daqui, mas no bairro não fazia nada. Sempre trabalhou e inclusive com um sobrinho meu quando era adolescente. Mas assim, as más companhias podem ter levado ele a errar", diz Frazão.
Entenda - No dia 16 de julho, o Campo Grande News divulgou o caso com base no boletim de ocorrência. A Polícia Militar informou que estava em diligências à procura dos autores do roubo ao carro, quando abordou um dos suspeitos, um adolescente. Na ocasião, ele confessou ter participado, mas disse que apenas "acompanhou" outros quatro criminosos.
O menor também revelou que um homem, o "Diabólico do Anache", era quem teria dado coronhadas na vítima. Ao passar as características de Diabólico, o adolescente o descreveu como agressivo e que "não perderia para a polícia caso fosse preso".
Com as informações, a PM afirmou que seguiu em diligências e encontrou o suspeito descrito pelo adolescente na Rua Xaxim. Luiz Fernando correu a pé ao ver a viatura e estava com a mão na cintura. Perseguido, se escondeu em uma mata, efetuando disparos em seguida, segundo a PM. Os tiros foram revidados pelos policiais e o suspeito foi atingido no tórax.
A PM afirma que ele ainda tinha sinais vitais, então o levaram para a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Nova Bahia, onde a morte foi constatada. Após perícia, foi recolhida uma arma utilizada por "Diabólico", que se tratava de um revólver calibre 38 furtado.
Retorno - A reportagem do Campo Grande News questionou a PMMS (Polícia Militar de Mato Grosso do Sul) sobre o apelido "Diabólico" descrito em boletim de ocorrência, a troca de tiros e também a informação de que o rapaz já foi socorrido morto.
Em resposta, a corporação disse que o apelido foi repassado pelo primeiro abordado, ou seja, o adolescente. "Esse autor abordado pela equipe policial foi quem se referiu ao 'Diabólico' da forma informada, e até então, não havia qualquer identificação oficial do cidadão, motivo pelo qual se usou da alcunha no boletim de ocorrência".
Sobre a troca de tiros disse: "conforme o B.O, além do já relatado, consta a apreensão de uma arma de fogo que estaria com o indivíduo, pela equipe da Polícia Científica".
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