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Capital

Delegado defende que fiança de compradores de fios vá para a luta antidrogas

O delegado defendeu ainda aplicação de medidas cautelares aos suspeitos, com finalidade de inibir o comércio

Geisy Garnes | 22/10/2021 16:25
Equipes policiais e da Guarda Municipal na empresa de pai e filho. (Foto: Divulgação)
Equipes policiais e da Guarda Municipal na empresa de pai e filho. (Foto: Divulgação)

Todos os dias, denúncias de furto de fios de cobre e de tampas de bueiro são feitas à polícia de Campo Grande. Os autores, em sua maioria, são moradores de rua, usuários de drogas desesperados para alimentar o vício, que cometem os crimes e revendem as empresas de reciclagem e ferros-velhos o metal “precioso”. A cada venda fácil, o ciclo se repete e expõe à vulnerabilidade social uma parcela da população.

Foi esse cenário que levou o delegado Reginaldo Salomão a abrir mão da prisão preventiva de pai e filho levados para delegacia por receptação de aproximadamente 500 quilos de fios de cobre, encontrados no ferro-velho da família nesta quinta-feira (21), e pedir o investimento dos valores pagos em fiança na luta contra as drogas na Capital.

Luiz Carlos Pereira de Souza, de 44 anos e o filho Luiz Guilherme Souza, de 22 anos, foram presos durante a Operação Ferro-velho. O flagrante aconteceu durante investigação da titular da Defurv (Delegacia Especializada de Repressão a Furtos e Roubos de Veículos), da Guarda Civil Municipal e de órgão da Prefeitura, em desmanches da Capital, principais receptadores de fios e tampas de bueiro furtadas.

Um dos locais visitados na ação, foi a empresa de recicláveis de Luiz Guilherme, no Jardim Itamaracá. No local, no entanto, foram encontrados os fios de uso exclusivo da Energisa, cerca de 500 quilos, que somam R$ 100 mil. Na delegacia, Luiz Carlos assumiu o crime e inocentou o filho, explicou que comprava o material de outras recicladoras.

O rapaz de 22 anos confirmou a história. Afirmou que o pai tinha autonomia e era responsável pela compra dos produtos, que não sabia que os fios eram da Energisa ou que sua comercialização era ilegal.

Fios apreendidos na empresa dos suspeitos eram de uso exclusivo da Energisa. (Foto: Divulgação)
Fios apreendidos na empresa dos suspeitos eram de uso exclusivo da Energisa. (Foto: Divulgação)

Ao redigir o auto de prisão em flagrante, no entanto, o delegado da especializada não pediu para que pai e filho continuassem presos. No lugar dos artigos do Código Penal ou do Código de Processo Penal, descreveu a realidade vivida pelos policiais que diariamente lidam com os furtos em Campo Grande.

Antes de coordenar a Defurv, Salomão era titular da Derf (Delegacia Especializada de Repressão a Crimes de Roubos e Furtos), unidade que absorve parte das ocorrências sobre esse tipo de furto. No texto, relata a vulnerabilidade social dos autores do crime e expõe o caráter nocivo dos empresários que compram os fios e tampas de metal.

“Pequenas prisões efetuadas por conta do furto de fio geralmente levam a prisão de moradores de rua, que não se trata de uma questão de segurança, mas sim de políticas públicas. Já no caso dos comerciantes, a situação é diametralmente oposta. Vige nesse comércio o egoísmo, a indiferença, a exploração do ser humano”.

O delegado explica no documento que o baixo valor dos materiais apreendidos com esses moradores de rua, na fase judicial geram, em sua maioria, o arquivamento do processo por aplicação do princípio da insignificância, que no direito penal, afasta a punição de casos não suficientemente graves.

Dói ao policial vocacionado, ao policial que jurou defender a sociedade, conduzir para uma Delegacia de Polícia um ser humano reduzido a um estado de miserabilidade, que o princípio da dignidade da pessoa humana é apenas uma palavra da qual não sabem o significado”, também destaca Reginaldo Salomão.

No texto, o delegado define os empresários que compram os metais como “exploradores”, já que se aproveitam de uma situação de vulnerabilidade e de um problema social grave no cotidiano da cidade. “A exploração de seres humanos, que sem políticas públicas, ou sem condições de se livrarem do vício, se sujeitam correr risco de morte por eletrocussão, linchamentos, por verdadeiras esmolas, já que no pagamento a maioria é enganada, pois não sabem ou não estão em condições psicológicas de ler. Como se vê, o que a olhos desarmados nos parece um crime sem violência ou grave ameaça, na verdade é uma enorme crueldade”.

Com essa argumentação, renunciou à prisão preventiva de pai e filho. Em troca, pediu a aplicação de fiança aos dois e a conversão do dinheiro recolhido para o tratamento de dependentes químicos. O delegado sugeriu ainda aplicação de medidas cautelares aos suspeitos, com finalidade de inibir o comércio de fios e a exploração de moradores em situação de rua.

“A Polícia Civil não tem interesse na prisão preventiva dos indiciados, seria reparar um mau com outro, mas respeitosamente, que a pena seja pecuniária, que ela seja convertida para tratamento de moradores de rua e dependentes químicos, que os empresários sigam impedidos de atuarem no ramo enquanto não repararem, ou menos em parte, o estrago que proporcionam a essas pessoas e a sociedade em geral com sua ganância”, escreveu.

Luiz Guilherme e o pai passaram por audiência de custódia na manhã desta sexta-feira (22) e de fato foram liberados. Na decisão, no entanto, o juiz Carlos Alberto Garcete de Almeida determinou o pagamento de R$ 3.300 de fiança para cada um dos investigados, mas não especificou a destinação do dinheiro.

Edson foi fotografado enquanto roubava os fios na Avenida Ernesto Geisel. (Foto: Divulgação/GCM)
Edson foi fotografado enquanto roubava os fios na Avenida Ernesto Geisel. (Foto: Divulgação/GCM)

O vício e o furto – As linhas escritas pelo delegado na prisão de Luiz Guilherme e Luiz Carlos retratam a história de vida de outro preso: Edson da Neves da Silva, de 20 anos.

Flagrado por volta das 10h desta quinta-feira (21) furtando fios de energia de um poste de iluminação que fica em frente ao Shopping Norte Sul, na Avenida Ernesto Geisel, região da Vila Nhanhá, o rapaz revelou em depoimento que desde os 10 anos, é usuário de drogas. Após dez anos de vício, vive nas ruas e comete os crimes para comprar porções de crack, cocaína e pasta base.

Em depoimento, revelou que pouco importa o tipo, o que conseguir adquirir com o dinheiro que consegue nos crimes, serve para alimentar o desejo por droga. Nesta manhã, também passou por audiência de custódia no Fórum de Campo Grande e foi liberado com uma condição: frequentar o CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) para tratamento químico.

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