Depois do adeus, taxistas vão à delegacia em protesto por mais segurança
Relatos descrevem o taxista como uma pessoa calma, que temia pela segurança, mas responsável em meio à crise econômica
Luciano faz pintar de branco o estacionamento do cemitério Memorial Park nesta segunda-feira (27). São os diversos veículos de táxi, amigos e colegas fieis que, junto com a família do taxista, despedem-se dele nesta manhã. Luciano Barbosa Franco foi assassinado aos 44 anos na madrugada de domingo, após aceitar uma corrida por aplicativo.
Ao final de uma despedida que levou horas entre o velório e o enterro, a recepção do pai de Luciano que chegou chorando e o discurso de líder sindicalista, os veículos saíram todos em uma espécie de marcha fúnebre. A fila é protesto que deixa o cemitério em direção à delegacia, a Defurv (Delegacia Especializada de Repressão a Furtos e Roubos). Um atrás do outro, os táxis tem pichado no vidro traseiro “luto”.
Antes de deixarem o cemitério, os taxistas ouviram a fala de Fernando Yonaka, presidente do sindicato que representa a categoria. “A pessoa sai pra trabalhar e a família não sabe se vai voltar”, reclamou.
“Já está ruim para trabalhar com a demanda baixa e tudo isso já desanima. Um acontecimento desse entristece a família, deixa tudo mundo apreensivo e é desconfortável para todo mundo”, disse.
Temia pela segurança
Além de contarem sobre os planos dele de deixar a profissão tão perigosa, conforme contava aos irmãos e colegas, fica a revolta do muito, quase difícil de indefinir porque é uma vida, que se perde por quase nada. O corpo de Luciano foi encontrado com um tiro na cabeça, mas do veículo, um virtus que ele só havia comprado há seis meses, só levaram os pneus.
O distanciamento entre as pessoas e o caixão lacrado também marcam a despedida de Luciano em meio à pandemia de coronavírus.
Irmão do taxista, Lucas Barbosa, 36, relata que Luciano pareceu ter ficado tranquilizado ao ter sido informado, quando a corrida foi acionada para o Shopping Campo Grande, de que era uma mulher. Antes de desaparecer, ele contou isso à irmã. Lucas diz que Luciano pensou que era chamado para levar um trabalhador do shopping.
“Esse tem sido um período difícil para o setor. Acabou tendo que ir, precisava trabalhar, tinha que pagar o carro. Até fazia corrida à noite, mas com muita restrição. “Só não tinha desistido da profissão porque tinha acabado de comprar o carro próprio e precisava pagar”, disse o irmão e afirma que Luciano sempre relatava vontade de deixar a profissão, pelo perigo constante.
“Hoje do jeito que está um taxista não consegue sustentar a família”, critica.
Pelas palavras de Lucas, Luciano era reservado e religioso, sempre muito preocupado com a mãe e com a filha, de 16.
“Que Deus tenha misericórdia e perdoe quem fez isso, acredito muito na justiça divina”, disse.
O primo Fauzer Barbosa Hortenci, 45, ainda está em choque. É a maldade tremenda de sua morte, diz ele. “A forma como ele foi morto foi uma maldade tremenda, fizeram o que fizeram e levaram só uns pneus”, afirma.
Fauzer acredita que tantos taxistas, hoje, na despedida, é uma prova da pessoa “querida” de Luciano. “Foi bem impactante ver a união, ele era muito querido, não cessaram até encontrarem o corpo. Esperamos que agora a Justiça seja feita. Até porque essa maldade poderia ser com outra pessoa, ele era batalhador, um ser humano que não tinha maldade nenhuma, nunca foi envolvido com coisa errada”, contou.
Cristiane Barbosa Hortenci, 43, também é prima de Luciano e afirma que a corrida noturna foi uma surpresa e que a violência era tragédia anunciada. “Só fez porque foi no shopping. De certo imaginou que por ser quarentena era trabalhador querendo voltar pra casa. Ele era cuidadoso por medo, dependendo do lugar não ia. É uma tristeza, mas se não fosse ele infelizmente seria outro”, diz.
Amigo de visita em casa, colega de dividir o mesmo ponto de trabalho há 9 anos, Celso Bellinatti, 48, acredita que Luciano não reagiu quando ameaçado.
“O Luciano seria incapaz de reagir e de agredir alguém, ele era um cara muito bom”, afirma.
Além de tudo, a solidariedade.
Ao receber uma cesta básica distribuída pelo sindicato, Luciano pensou em quem precisava mais do que ele, conta o amigo. Segundo Celso, Luciano doou os alimentos a uma mãe com dois filhos.
“Ele era uma pessoa do coração do tamanho do mundo”, afirma.