Em feira de produtos do Sul, drama é saber como e quando voltar para casa
Famílias vieram para a Fenasul antes da tragédia no Rio Grande do Sul; corpo está aqui, mas o coração distante
Quando deixou Eldorado do Sul (RS), a vendedora Edna Maria Rosa, de 60 anos, não imaginava a catástrofe que os gaúchos iriam enfrentar. Na sexta (3), mesmo dia da abertura da Fenasul em Campo Grande, as águas do Rio Guaíba invadiram a cidade onde ela e as filhas de 37 e 39 anos vivem. Com o coração distante, Edna chora ao pensar na família e não tem ideia de como ou quando voltar para casa.
“Quando aconteceu tudo, eu já estava aqui montando a Feira, não sei nem para onde voltar, porque não temos mais casa. Quando terminar a feira, minha patroa vai ver se a água vai ter baixado. Senão, vou ter de continuar por aqui”, lamenta.
Vendedora de roupas do Sul, ela pensa nos netos de 18 anos, 16, 4 e 1 ano de idade. A família toda morava no mesmo terreno, dividida em três casas, agora engolidas pela água. "A minha é um sobrado. Quando a água começou a subir, foi todo mundo para o segundo piso, mas eles acordaram com a água chegando lá e então tiveram de subir para o telhado”, conta. A cidade foi 100% tomada pela enchente.
Uma das filhas teve a sorte de ser resgatada com as crianças logo que a cheia ganhou proporções preocupantes. Mas, por falta de barcos, os outros tiveram de esperar o socorro por dois dias no telhado, diz a vendedora.
Agora, os parentes de Edna estão em uma igreja, mas sem documentos ou celular. O tempo entre o resgate e a conversa com a mãe tornou tudo ainda mais difícil. "Só depois que chegaram no abrigo conseguiram se comunicar, porque uma das voluntárias emprestou o telefone para eles mandarem mensagem”.
No Círculo Militar de Campo Grande, o sotaque gaúcho é embargado pelo emoção de quem está assistindo a maior cheia da história recente do estado, sem poder fazer nada.
Em outro ponto da Fenasul, Clenecir Zanchetil, de 61 anos, vende roupas também. Apesar de viver ao norte do Rio Grande do Sul, a casa dela ainda não foi atingida. Mas irmão e cunhada, que vivem em Porto Alegre, ficaram ilhados no prédio onde moravam. “A gente fica com o coração partido, não tenho palavras para dizer o que a gente sente", resume.
Em setembro e novembro, ela lembra que a região enfrentou enchente, "mas a gente não imaginava que isso aconteceria novamente e nessa proporção. Tudo que a gente descrever, não passa perto do que a gente sente. Meu desejo era estar lá, mesmo não podendo fazer nada”.
O stande normalmente alegre, com cheiro de chocolate de Gramado, agora é pura tristeza para Antenor Júnior, de 54 anos, que veio com a esposa a Campo Grande, como já é rotina do casal. “O corpo está aqui, mas a mente está lá. Estamos na feira, tendo de recepcionar os clientes bem, com alegria, mas é um cenário (enchente) que nunca tinha visto. Nos sentimos acorrentados”, comenta.
Morador da região metropolitana de Porto Alegre, ele diz que teve sorte de a casa não ser atingida. Mas toda a família vive em Canoas e por lá eles sofrem os efeitos do mau tempo. "Meu desejo é que passe logo o tempo da feira para voltar para casa e abraçar os meus filhos".
Ele lembra das crianças e pede uma doação especial, em meio a tanta solidariedade demonstrada nos últimos dias. "Uma coisa que as pessoas também podiam mandar era brinquedos. Nós que somos adultos já não entendemos isso, imagine uma criança. Um brinquedo é um alento", avalia.
No total, há bloqueios em 102 pontos de rodovias estaduais do Rio Grande do Sul e, com previsão de mais chuvas, o acesso deve ficar cada vez mais complicado.
A esposa de Antenor, Simone Brogni, de 50 anos, conta que uma das irmãs dela conseguiu sair antes de a água invadir a casa, mas a tia e a avó paterna enfrentam o alagamento. Hoje, além da preocupação com o que ainda está por vir, ela tem de pensar em como tocar o negócio, diante da dificuldade de receber mercadoria. “Até chocolate a gente não está conseguindo. Os produtos estão quase acabando". Ela também conta os minutos para voltar ao Rio Grande do Sul. "Quando acabar a feira, não sabemos como, mas vamos pra casa”, avisa.
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