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Capital

Execução de “Bocão” revela séries de crimes causados por guerra entre gangues

Lucas morreu aos 26 anos. Ele foi executado a tiros na varanda da casa de uma amiga em novembro do ano passado

Geisy Garnes e Bruna Marques | 17/05/2021 08:08
Bocão, de camisa branca, quando foi julgado por ter matado Edimar da Silva Pinto, 42 anos, em frente à entrada de emergência da UPA (Foto: arquivo / Campo Grande News)
Bocão, de camisa branca, quando foi julgado por ter matado Edimar da Silva Pinto, 42 anos, em frente à entrada de emergência da UPA (Foto: arquivo / Campo Grande News)

O assassinato de Lucas de Moraes Charão, de 26 anos, em novembro do ano passado, revela um emaranhado de brigas marcadas pela violência na região sul de Campo Grande. Na disputa entre grupos que há anos se estende no Bairro Moreninhas a vida de Bocão, como era conhecido, não foi a primeira a ser tirada em nome da vingança. O caso é apenas uma das peças no quebra-cabeça que a polícia tenta montar para de fato resolver os crimes.

Lucas foi executado na madrugada do dia 26 de novembro, em uma residência da Rua Araticun, no Bairro Moreninha III. Ele estava na varanda, conversando e tomando cerveja com uma amiga, quando o assassino invadiu a casa e atirou do rapaz. Dois tiros não foram o suficiente e o autor, que já estava indo embora, voltou para disparar mais uma vez. A arma, no entanto, falhou e ele fugiu em seguida.

Foram os pais de Lucas que o socorreram até o UPA (Unidade de Pronto Atendimento) Moreninha, localizada a poucos metros do local em que o crime acontece. Mas a pouca distância da unidade não foi possível salvar a vida do filho.

A morte do rapaz de 26 anos lembrou uma trilha de crime e pode ter sido o estopim para outro atentando, já janeiro deste ano.

Os primeiros registros dessa briga começaram a aparecem em 2014, quando Lucas foi alvo de tentativa de homicídio. Na época, “Bocão” foi baleado enquanto estava em uma praça do bairro e mesmo ferido, conseguiu fugir até a unidade de saúde onde anos depois morreu. Os autores foram identificados e presos: um adolescente, Lucas Silveira Leite Ortiz, "o Xuxa" e Welinton Aparecido da Silva Souza, conhecido como “Tucano”.

O crime revelou uma disputa entre gangues da Moreninhas II e Mário Covas. Os tiros que acertaram Lucas na época, na verdade tinham outro alvo: Vinícius Thiago, vulgo “Thiaguinho”, que para o trio era o responsável pelo assassinato de José Domingos Fernandes Neto dias antes.

Como o suspeito não foi encontrado, Charão, que era amigo de Thiaguinho, foi o escolhido para a vingança. Poucos meses depois, Lucas Silveira morreu ao ser atropelado. Apenas Welinton foi julgado e condenado pelo crime. No Tribunal do Júri recebeu sentença de 10 anos pela tentativa de homicídio.

No dia da sentença, o maior interessado na condenação estava preso por envolvimento em outro capítulo da briga no Bairro. Em 2018, Lucas matou Edimar da Silva Pinto, de 42 anos, em virtude a dívida de droga no valor de R$ 10. O assassinato aconteceu durante uma briga entre a vítima e um adolescente, amigo do suspeito.

Pelo homicídio Lucas chegou a ser condenado a oito anos no regime semiaberto. No mesmo ano do crime, Bocão voltou a se envolver em outro caso de violência.

Em junho de 2018 um dos integrantes do grupo de Lucas foi espancado por Vitor Manoel Rodrigues da Silva, conhecido como Veinho e dois adolescentes. O crime foi motivado por uma dívida de R$ 10 e a vítima ficou gravemente ferida. Bocão foi listado como testemunha do crime e é nesse momento em que se registra pela primeira vez a relação entre o rapaz e o principal suspeito de matá-lo.

As investigações apontam que o autor dos disparos que mataram Lucas foi Vitor Manoel. Segundo relatos, o rapaz tinha um desentendimento com o suspeito e o irmão dele, Odilon Rodrigues da Silva Mareco. Ele também foi reconhecido pela principal testemunha do assassinato.

No dia 25 de maio deste ano Lucas iria ao Fórum de Campo Grande para testemunhar contra Vitor na primeira audiência sobre a tentativa de homicídio do amigo. Foi morto antes, mas os conflitos entre os grupos se agravaram. Em janeiro deste ano Odilon e outros quatro amigos foram baleados em um ataque de pistoleiros no Bairro Moreninha III.

Local onde Odilon e os amigos foram baleados em janeiro deste ano (Foto: arquivo / Henrique Kawaminami)
Local onde Odilon e os amigos foram baleados em janeiro deste ano (Foto: arquivo / Henrique Kawaminami)

O tiro acertou o peito do rapaz, perto do coração e apesar de receber atendimento médico, não resistiu ao ferimento. Para a polícia os dois casos estão interligados e foram motivados por vingança pelas mortes dos companheiros. “É uma guerra entre grupos, um cobrando a morte do outro, em um efeito cascata”, explicou o delegado João Reis Belo, titular da 4ª Delegacia de Polícia Civil e responsável pelas investigações dos casos.

Apesar das suspeitas sobre a autoria do assassinato de Lucas, a polícia encontra dificuldades em encontraram a principal testemunhas do crime, a amiga que estava com ele no momento da morte. Segundo o delegado, ela chegou a atender as ligações da polícia no começo, mas depois desapareceu. “Claramente demostra medo”.

Após a morte do irmão, Vitor usa as redes sociais para expressar a saudade, mas nas frases que legendam as fotos, reforça o sentimento de vingança que marca da história dos jovens do bairro. “E só sobraram as lágrimas, a dor e a saudade, ferida que não cicatrizam, ódio no peito que arde”.

Vitor, ao lado do irmão Odilon, de boné (Foto: reprodução / Facebook)
Vitor, ao lado do irmão Odilon, de boné (Foto: reprodução / Facebook)

A ligação entre os casos e o medo de retaliação tornam a investigação dos crimes complexas, mas para a polícia, não resta dúvida que as mortes são consequências da briga entre os grupos rivais. “Tudo tem a ver com tudo. Isso é uma rivalidade, uma rixa que vem a algum tempo, não temos dúvidas que a morte do Lucas foi provocada por vingança, fruto dessas desavenças e delitos anteriores”, reforçou Reis.

“Vemos uma juventude transviada, que se envolve no submundo do crime por questões de drogas e disputa de grupos, cria essa rivalidade entre eles e se transforma nessa briga sem fim”. Os assassinatos de Odilon e de Lucas seguem em investigação e parecem não ser o último capítulo dos conflitos na Moreninha.

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