O bairro "sabia", mas só agora suspeito de abusar de meninos é investigado
O caso chegou à polícia no dia 11 de outubro e oito vítimas já foram identificadas
A casa de esquina é conhecida por toda a vizinhança. Era ali que a molecada do bairro se reunia, principalmente nos fim de tarde. O morador era tido como um homem bom, e apesar de estranhar a proximidade dele com as crianças, nunca houve provas, nunca houve denúncia da vizinhança. Foi só no dia 16 deste mês que os casos de abuso sexual chegaram à polícia, que agora investigam pelo menos oito vítimas do seu “Zé”.
No Jardim Los Angeles o comentário é o mesmo: a casa sempre vivia cheia de crianças. O morador não tem filhos, vive sozinho, e apesar das desconfianças, os vizinhos afirmam que nunca encontraram provas de crime. Dizem, a quem pergunta, que o então suspeito tinha o hábito de ‘andar’ com os meninos e era conhecido por todos.
Crianças de 11 e 12 anos, alguns adolescentes, meninos e meninas. Eram esses grupos que frequentava a casa, recebiam dinheiro e até ‘presentes’ de Zé. Foi necessário mais de um ano para que um moradora reparasse a situação e perguntasse a uma das crianças o que estava acontecendo.
Foi a partir daí, que o menino de 12 anos fez a primeira denúncia. O dinheiro que recebiam era em troca de "favores sexuais". A confissão da criança foi gravada, divulgada em um grupo de WhatsApp do bairro e despertou a desconfiança de outros pais, que viram os nomes dos filhos citados na conversa.
Depois de ouvir os boatos e o áudio, uma das mães, de 30 anos, conversou com o filho, um menino também de 12 anos, e descobriu que ele era abusado pelo suspeito há cerca de um ano. “Ele era amigo de todo mundo, nunca desconfiei de nada, achei que era uma pessoa boa. A casa vivia cheia de moleques. Meu filho contou que era ameaçado por isso não falou nada”.
A primeira denúncia foi feita no Disque 100. Por telefone ela foi orientada a procurar uma delegacia e no dia 11 de outubro a mulher registrou o boletim de ocorrência de estupro de vulnerável na Depac (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário) Piratininga. “Meu filho fez exame de corpo de delito, o resultado ainda não saiu, mas o médico me adiantou que deu positivo, meu filho tá todo machucado”, lamentou a mulher, que terá no nome preservado.
Na segunda-feira (16), mãe e filho foram à Depca (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente), o menino foi ouvido pelo setor psicossocial da delegacia, que novamente confirmou o crime.
Com riquezas de detalhes, a criança, assim como o menino gravado pelos vizinhos, afirmou que foi abusado por um ano e ainda apontou outras vítimas. Segundo o delegado Fábio Sampaio, responsável pelas investigações, a especializada investiga pelo menos oito vítimas, cinco meninos e três meninas.
“As equipes vão ao local identificar outras vítimas, vamos ouvir a mãe que fez a denúncia e também outras testemunhas”, explicou o delegado. Agora, os investigadores tentam confirmar a identidade do suspeito e também localizá-lo. Nesta manhã, a equipe de reportagem do Campo Grande News foi ao local, mas não havia ninguém na casa que seria de "Zé".
O menino de 12 anos também foi submetido a exames para identificar doenças sexualmente transmissíveis. Segundo a família os resultados deram negativo, mas o teste de HIV só deve ser entregue na segunda-feira (23). O suspeito é investigado por estupro de vulnerável e favorecimento à prostituição.
No bairro - Na região, as opiniões se dividem, enquanto alguns defendem os suspeitos, outros confirmam os abusos e lembram das desconfianças que sempre cercaram a residência do suspeito. “Fui ameaçada, não estou na minha casa, meus filhos estão perdendo aula. Ele desestruturou a minha família, a minha vida”, reforçou a mãe de uma das vítimas.
Ainda assim, o caso foi recebido com espanto pelos moradores da região. “É um choque, os meninos brincavam com meus filhos. Jogavam bola aqui na frente da minha casa”, contou uma das moradoras, que preferiu não se identificar. A mulher é mãe de três crianças, dois meninos, de 12 e 10 anos e uma menina de 5 anos.
Omissão - O suspeito, segundo a própria mãe, era conhecido por pagar coisas para os meninos nos comércios da região e chegou a ir conversar com a vizinha quando soube da denúncia. “Minha parte eu estou fazendo. Não posso me calar, e se acontecesse igual ao menino Kauan?”, lamentou a mãe da vítima.
No caso, que veio à tona quase três meses após a morte de Kauan Andrade, de 9 anos, é justamente o suposto esquema de exploração sexual que chama a atenção da polícia. Mais uma vez a DPCA investiga um homem apontado como o responsável por abusar de crianças em troca de dinheiro.
Assim como no Bairro Coophavilla II, a presença de crianças na casa do suspeito era frequente e a omissão de quem morava por perto também.
Na época da trágica morte de Kauan, que foi estuprado e teve o corpo esquartejado, Angelo Motti, psicólogo especialista em psicologia social, pró-reitor de Gestão de Pessoas da UFMS(Universidade Federal de Mato Grosso Sul) e coordenador da Escola de Conselhos, que capacita conselheiros tutelares, afirmou em entrevista ao Campo Grande News que pior que omissão é a cultura de não “se meter” na vida do outro.
“Assusta constatar que a comunidade, os vizinhos verem o movimento de crianças e adolescentes na casa de um adulto e acharem que é normal, não fazerem nada”, defendeu AngeloMotti. Para ele, essa cultura muitas vezes incentiva sem perceber, a violações aos direitos das crianças e adolescentes, direitos humanos.
“Nesses casos a orientação é sempre procurar a polícia, bem como acompanhar de perto o cotidiano dos filhos. Com quem a criança se relaciona, se houve mudança no comportamento, se chegou em casa com dinheiro, com objetos que não foram dados pelos pais, monitorar a rede sociais, são cuidados essenciais”, conclui o delegado Fábio Sampaio.