Rochedinho, onde morar é "uma felicidade imensa" para 1.093 pessoas
O caminho não é tão longo, pouco mais de 24 quilômetros separam Campo Grande de Rochedinho, distrito com 1.093 habitantes e 404 casas construídas. Apesar da proximidade com a Capital do Estado, os moradores cultivam uma vida pacata, porém repleta de sonhos, alegrias e angústias.
Para chegar até Rochedinho é simples, o caminho começa na avenida Tamandaré ao norte de Campo Grande, passa pelo Parque do Peão e continua pela MS-010. O trecho está em obras e até o fim desse ano a rodovia deve deixar o cascalho de lado para entrar nos tempos da pavimentação asfáltica.
A reportagem passou uma manhã na região considerada pelos moradores como “esquecida pela Capital”, já que em assunto de distrito, o primeiro a despontar na mente dos campo-grandenses é Anhanduí, com seus doces, conservas e queijos típicos vendidos na beira da estrada.
A avenida principal do distrito possui quatro bares, uma conveniência, dois comércios de ração, medicamentos animais e uma recém-inaugurada loja de roupas. A escola municipal e o posto de saúde também estão no centro. Apesar de possuir uma vila de casas afastada das chácaras e fazendas, toda a região é considerada rural, segundo o último senso demográfico de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Os registros históricos do distrito são raros e a data de fundação do local não é unanimidade entre os moradores. Alguns dizem que a vila começou a ser construída há mais de 100 anos e outros contam que os funcionários de fazendas se aglomeraram e abriram o espaço na mata há 60 anos. De concreto, apenas um documento do IBGE que apresenta dados de Rochedo, cidade próxima ao distrito. O local começou a ser povoado em 1931 por imigrantes nordestinos.
E foi da região nordeste do país que veio Julio Pereira de Melo, seo Julinho, de 84 anos, um dos moradores mais antigos do distrito. O chacareiro vive há 60 anos na região e após criar os 14 filhos com o trabalho de peão, hoje vive em uma chácara perto da vila. A fiel companheira é dona Rosa Silva, 72 anos.
O pernambucano de sotaque arrastado se tornou um sul-mato-grossense com coração rochedense. Julinho relembra dos tempos de trabalho e suor para derrubar árvores que deram lugar ao distrito.
"A gente trabalhava de sol a sol, às vezes, ficávamos um dia pra derrubar uma árvore grande. Quando eu cheguei aqui só tinha mato e uns barracos de madeira, hoje tem chácaras, fazendas e casas bonitas na vila”, relembra.
Feliz e realizado com o “pedaço” de 26 hectares conquistado com o dinheiro juntado durante 14 anos, Julinho vive de uma aposentadoria retirada todos os meses em Campo Grande, da criação de porcos, galinhas e das 20 cabeças de boi que restaram da época das “vacas gordas”.
“Eu não tenho do que reclamar de Rochedinho, eu me dou bem com todo mundo e é uma felicidade imensa morar aqui. A gente trabalhou muito enquanto novo e agora consegue viver tranquilo”, conta.
Os elogios e a alegria estampada no rosto do pernambucano são bem diferentes da vida levada por Geraldo Gomes de 75 anos. O aposentado vive há 50 anos no distrito e após décadas dedicadas ao desenvolvimento da região, tem como maior sonho a mudança para um asilo.
“Eu quero mesmo ir pra um asilo e ter com quem conversar. Aqui o pessoal arranja muita confusão por causa da bebida e eu sou muito sozinho”, desabafa o homem que vive em uma casa de três quartos e um quintal com uma horta cuidada com o amor que ele dedicaria a um filho, se tivesse se casado e encontrado a tão sonhada “companheira”.
Geraldo é o retrato da solidão, uma realidade comum vivida por idosos em grandes cidades, mas também presente nos recantos interioranos. Apesar de ser conhecido por todos, o morador do distrito aparenta viver uma profunda depressão agravada por problemas em conseguir atendimento médico, reclamação unânime entre os moradores.
“Médico só tem duas vezes por semana e é difícil marcar. Eu tenho problema de úlcera e tive que parar de trabalhar, às vezes consulto aqui no posto, mas a dor é grande”, explica.
A rotina do aposentado se resume ao pão com café nas primeiras horas do dia, o cuidado da horta, o almoço preparado por ele e algumas voltas na vila. Apesar de querer vender a casa onde mora e se mudar para o asilo, Geraldo admite que Rochedinho é um bom lugar pra viver.
“É bem tranquilo sim, a gente consegue plantar algumas coisinhas aqui no quintal e vai vivendo como dá. Bom mesmo era quando trabalhava nas chácaras como peão, hoje eu vou levando a vida e não tenho muito que esperar do futuro”, desabafa.
Se para alguns o distrito é lugar de boas lembranças do passado, para outros é a realidade presente e a possibilidade de uma vida melhor no futuro. Flavio Wesley tem 31 anos e há 2 vive em Rochedinho. Ele se mudou de Terenos com a mulher e os três filhos pequenos para trabalhar em uma fazenda da região. Hoje o casal comanda a conveniência que fica logo na entrada do distrito.
Bem-humorado e com a esperança de poder dar um futuro repleto de estudo para os filhos, o jovem não cansa de contar os benefícios em morar perto da cidade grande, mas longe o suficiente para não se envolver com “coisas erradas”.
“É um lugar muito pacato que está se desenvolvendo bastante. Quando o asfalto da rodovia ficar pronto, tenho certeza que vai trazer muita coisa boa pra gente. O bom é que conseguimos ir para cidade bem rápido, mas bom mesmo é viver no mato”, brinca.
A pouca idade dos filhos de Wesley faz com que o comerciante não se preocupe com o futuro nos próximos anos, já que a escola do distrito oferece o ensino do 1º ao 9º ano, mas quando as crianças, que possuem entre 2 e 7 anos, atingirem a adolescência, aí o pensamento pode ser outro.
“Mesmo gostando muito de viver aqui, a gente pensa em ir pra cidade pra dar um estudo melhor para os filhos. A gente precisa pensar no futuro deles, o importante é que somos muito felizes vivendo aqui”.
A maioria dos que vivem em Rochedinho imigrou do nordeste ou vivia em chácaras e fazendas do interior do Estado. Mas há quem tenha escolhido o distrito como casa apesar de possuir residência em Campo Grande e ter morado 10 anos na Capital.
Fátima Guilherme tem 63 anos e comanda um comércio de produtos animais no centro da vila. A aposentada mora com o marido em uma chácara no distrito e fala com orgulho da vida que leva no lugar. Vaidosa, a mulher explica por que deixou Rochedinho para viver em Campo Grande por uma década.
“Eu tive que sair daqui para criar meus filhos. Aqui ainda não tem ensino médio e eu fui pra cidade pra dar um estudo melhor pra eles e foi muito bom, hoje eu tenho até uma filha médica”, conta.
Mesmo conhecendo o conforto que as cidades oferecem, não passa pela cabeça de Fátima deixar o distrito novamente. “Eu só saio daqui quando morrer. Eu amo esse lugar, converso com todo mundo e é muito bom poder viver daquilo que a gente mesmo produz. Na cidade é uma correria, violência, acidente e as coisas são muito caras”, explica.
Apesar dos problemas da falta de médicos e da educação limitada do lugar, a aposentada tem na ponta da língua a justificativa que convence qualquer um de que mesmo com o ritmo de interior, a escolha de um distrito como casa não é coisa do passado.
“Eu posso chamar meus amigos para um almoço no fim de semana e vai ter três tipos de carne da nossa criação na geladeira, também vou preparar uma bacia cheia de salada. Se fosse na cidade e alguém falasse que ia almoçar na minha casa, eu ia começar a entrar em desespero pra ir no mercado e comprar comida pra todo mundo, ia faltar dinheiro porque tá tudo muito caro”, brinca.