Vizinha à casa de menino com autismo, quermesse de igreja vira caso de Justiça
Defensor público é padrasto da criança e entrou com pedido até para prender o padre
A quermesse da Paróquia Imaculado Coração de Maria virou caso de Justiça em Campo Grande. No período de 11 horas, o processo foi protocolado, teve negativa em primeiro grau e julgamento no TJ-MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul).
Às 12h14 de sexta-feira (dia 16), Carlos Alberto Souza Gomes, 54 anos, que é defensor público e vizinho à igreja no Bairro Carandá Bosque, entrou com procedimento por práticas abusivas no Juizado Especial Central de Campo Grande. Ele afirma que o som alto traz sofrimento sem fim ao seu enteado de 11 anos, que tem autismo moderado e não suporta o barulho.
Nesta edição da festa, o palco foi montado ao lado da sua casa, apesar de o pároco Carlos Alberto Pereira saber sobre a reação da criança. O defensor anexou um Boletim de Ocorrência por perturbação do trabalho ou sossego alheio.
“Não resta outra alternativa a este subscritor a fim de resguardar sua família, a si mesmo e principalmente a criança autista [...] senão a de bater as portas do judiciário a fim de requerer o seu direito de viver em paz, determinando a não realização de shows no local onde o palco está instalado; não obstante possa ser levado a outros locais do grande terreno da igreja, onde torne ao menos suportável o som”, diz Souza Gomes.
No procedimento, o morador solicitou que igreja seja proibida de realizar festas, com aplicação de multa de R$ 10 mil por hora em caso de descumprimento, além da prisão do padre. Também houve pedido de indenização de R$ 40 mil por danos morais.
Às 15h05 de ontem, a juíza Patrícia Kelling Karloh, atuando em substituição legal na 5ª Vara do Juizado Especial Central, se declarou suspeita para decidir sobre o pedido por motivo íntimo.
A decisão do juiz Cezar Luiz Miozzo, também em substituição legal, veio às 16h45. O magistrado negou a liminar para impedir a quermesse e determinou que fosse agendada audiência de conciliação.
“Isso porque para a realização de eventos musicais, é sabido que existem normas técnicas que devem ser atendidas, tanto com relação aos horários quanto aos decibéis (volume do som), o que, em sede de cognição sumária, não se pode a verificar. Vale dizer, não veio para autos, nenhuma demonstração de volume de som insuportável, ou seja, acima do permitido para o horário e local”, detalha a decisão.
Duas horas depois, às 19h22, o defensor entrou com mandado de segurança no Tribunal de Justiça. O pedido foi para derrubar a decisão de primeiro grau. “Determinando ao meirinho plantonista intimar os demandados a fim de que se abstenham de utilizar o palco com sons altos e músicas como funck, sertanejos, sambas respeitando o direito ao descanso do impetrante e de sua família”.
O estilo musical tocado na quermesse também foi criticado pelo morador. “Destaque-se que os shows nada têm a ver com a fé da igreja católica romana, consistindo em todo tipo de musica como funck, samba, musica de botequim provavelmente igualmente tocadas nas casas de tolerância aos arrebaldes da cidade”, afirma o defensor público.
Às 23h04, saiu a decisão do desembargador plantonista Odemilson Roberto Castro Fassa, que concedeu liminar limitando o volume dos shows a 45 decibéis. “Posto isso, concedo ao impetrante a liminar para determinar que a Arquidiocese de Campo Grande – MS e a Paróquia Imaculada Coração de Maria, cumpram, de imediato, os limites máximos permissíveis para a zona residencial de 45 decibéis no período noturno (das 21h às 6h), sob pena de multa diária de R$ 5.000,000, limitada a R$ 50.000,00”.
A medida de 45 decibéis é compatível com conversação em tom de voz “normal”. A reportagem foi à paróquia, na Avenida Hiroshima, na tarde deste sábado. No local, estão cadeiras, mesas e faixa sobre a quermesse.
Como vou parar a festa?- "Chegou uma decisão e nós estamos analisando, isso não vai impedir que a festa aconteça. Claro que a gente vai regularizar o som conforme foi pedido. Mas nesse tom que estamos conversando já dá 45 decibéis", diz o padre.
Na sequência, o sacerdote refletiu que é impossível fazer festa para 2 mil pessoas com o volume máximo de 45 decibéis e pediu que a repórter opinasse sobre o que ele deveria fazer.
"Qual a sua opinião para mim? A gente vai procurar amenizar o som da melhor maneira possível no próximo ano. O palco não deveria ficar ali, era para ter ficado no meio. Mas como vou parar a festa agora?", diz o padre.
De acordo com o sacerdote, o vizinho chegou de viagem na terça-feira e reclamou do som. O padre afirma que tem vídeos em que o morador disse que gostaria que na festa fosse executada música religiosa indiana. A igreja também estuda pagar um hotel no próximo ano. A renda da quermesse financia as ações sociais da paróquia.
O Campo Grande News recebeu vídeos em que o morador mostra o terreno da festa e também do barulho no interior de sua casa. A reportagem não conseguiu contato com o defensor público.