Estrada vai tirar Porto Esperança do isolamento decretado com fim do trem
O único acesso dos moradores a Corumbá passou a ser o Rio Paraguai, o que perdura até hoje, 30 anos depois do último comboio viajar pela rodovia
Com a desativação do transporte de passageiros pela antiga Ferrovia Noroeste do Brasil, no final da década de 1990, comunidades que surgiram ao longo dos trilhos, entre Três Lagoas e Corumbá, desapareceram ou amargaram o abandono pela falta de acesso. Um desses povoados é Porto Esperança, distrito de Corumbá, que foi entreposto comercial e traslado de pessoas na época das embarcações a vapor quando o trem não chegava à fronteira com a Bolívia.
A estação ferroviária local, construída em 1912, recebia gente e mercadorias de todo lugar por meio de um ramal que chegava à beira do Rio Paraguai, onde surgiu e prosperou a comunidade. Casas de pau a pique se espalharam pela região plana, o comércio era forte, atraindo muitos forasteiros. A primeira mudança desse cenário foi a construção da ponte ferroviária sobre o rio, na década de 1950. O trem não parou mais, passava direto para Corumbá.
Trinta anos depois do último apito do “Passageiro” cruzando o Pantanal, Porto Esperança é o retrato dos impactos sociais e econômicos causados pela suspensão do transporte de pessoas e a privatização da ferrovia. Com um agravante: a comunidade ficou praticamente isolada, mesmo com um ramal distante 2 km da malha que, paulatinamente, deixou de ser utilizado. O único acesso dos moradores a Corumbá passou a ser o Rio Paraguai, o que perdura até hoje.
Um novo polo turístico
Agora, a comunidade vislumbra um recomeço com o projeto do Governo do Estado de implantar um acesso rodoviário, de 8,5 km, a partir da BR-262, próximo à ponte sobre o rio. “É a nossa última esperança”, afirma o presidente da associação de moradores, José Domingos Benites, 52, pescador. Sem o Trem do Pantanal, o distrito passou a sobreviver da pesca, mas é um turismo incipiente, por falta de acesso e infraestrutura, como bons hotéis e serviços.
“O trem trazia progresso, a vida era muito boa, mas hoje não temos nada, fomos esquecidos até pelos governantes”, reclama o líder local, sonhando em transformar sua Porto Esperança em um forte destino de turismo de pesca e contemplação da natureza, que é exuberante ao redor. “Nem os pescadores de fora investem mais aqui, os ranchos estão abandonados ou ocupados por moradores, mas temos um grande potencial turístico a explorar.”
Domingos, como os demais moradores, depende da cesta básica e medicamentos distribuídos pela Prefeitura e pelo Governo do Estado a cada três meses. A região é anualmente atingida pela cheia no Pantanal e atualmente a vila está submersa com o transbordamento do rio, cessando a pesca esportiva desde abril. Sem o turista, a sobrevivência no local é um desafio diário por falta de alternativas. “Muitos vão para a cidade fazer bicos”, conta ele.
A vida difícil e sem perspectivas depois que a ferrovia passou a transportar apenas cargas reduziu a comunidade a 130 pessoas. Nos anos de 1990, eram 873 habitantes, segundo censo. O êxodo foi intenso e não parou. “Não existe emprego, a Vale (mineradora) tem um porto aqui para exportar minério, mas a única ajuda é o transporte de doentes”, diz Domingos. “O ensino é apenas de primeiro grau, os jovens são obrigados a ir embora, não tem outra saída.”
Estrada, a única saída
O movimento pela construção de uma estrada de acesso começou na Câmara de Vereadores de Corumbá, mas governos anteriores não deram importância a situação de abandono do distrito. Somente agora o grande sonho da comunidade pode tornar-se realidade, depois de tantos anos de sofrimento. A prefeitura já emitiu licença ambiental e o Estado, por meio da Agesul (Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos), elaborou o projeto técnico.
“Dependemos agora da licitação e da água secar para tocarmos a obra”, anunciou o secretário estadual de Infraestrutura, Helianey Silva. O projeto inclui a execução de duas pontes de concretos em trechos críticos, onde vazantes com forte correnteza colocam em risco de desabamento pontes de madeira construídas pelos moradores. “Quando chove, não tem como passar, é um atoleiro sem fim. A estrada nova vai melhorar tudo”, comemora Domingos.
O deslocamento de um morador até a cidade custa, no mínimo, R$ 300 para pagar lancha e ônibus. A implantação da estrada terá base cascalhada com fino de minério, material doado pela Vale, que explora as reservas minerais do Morro do Urucum, em Corumbá. “Será uma grande obra para a região, levará dignidade a Porto Esperança, que pode se tornar um polo turístico”, afirma o vereador Evander Vendramini, presidente do Legislativo corumbaense.