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Interior

André venceu a dengue "algumas vezes", mas não resistiu à covid-19

Com maioria dos familiares contaminados pela doença, despedida de André foi acompanhada pela tela do celular

Lucia Morel | 13/05/2020 18:03
Ao escolher essa foto para a reportagem, filho afirma que foi a melhor pelo "sorriso e simplicidade" que o pai demonstra na imagem. (Foto: Arquivo Pessoal)
Ao escolher essa foto para a reportagem, filho afirma que foi a melhor pelo "sorriso e simplicidade" que o pai demonstra na imagem. (Foto: Arquivo Pessoal)

Depois de vencer “algumas vezes” a dengue, André Cardamone Junior, 57 anos, não resistiu à covid-19. Último óbito registrado pela doença, o 13º em Mato Grosso do Sul, o marceneiro foi enterrado às 00h15 de hoje em Brasilândia, e apenas um irmão pôde acompanhar, de longe, a cerimônia.

Com filhos, enteados e outras pessoas da família também infectados com o novo coronavírus, André, que era diabético, não pôde receber o adeus de nenhum deles, todos em isolamento domiciliar.

Um dos três filhos do marceneiro, Alexandre Miranda Cardamone, de 33 anos, que é administrador de empresas, falou sobre como é “assustador” vivenciar essa situação e de como o novo coronavírus não é uma doença “boazinha”.

Ativo na cidade, que fica a 383 Km de Campo Grande, André fazia mutirões em parceria com a comunidade local para combater a dengue e sem lembrar exatamente quantas vezes o pai havia se contaminado com a doença, Alexandre afirmou apenas que havia “escapado da dengue algumas vezes”.

“Até umas semanas atrás estávamos fazendo enfrentamento à dengue, mutirão e estávamos conseguindo reduzir os números da cidade”, relembrou o filho, que acredita que a covid-19 é mais grave que a doença transmitida pelo Aedes aegypti.

Sobre o que poderia ter sido feito para que seu pai não tivesse falecido, ele é assertivo em dizer que “era esse vírus não ter chegado na cidade”. Alexandre afirma, por exemplo, que na empresa em que trabalhava com o pai, todas as regras de biossegurança eram tomadas e por causa disso, avalia, que não sejam tão eficazes. “Nada é 100%, né?”.

Ele contou que um dos 30 funcionários da empresa foram infectados, mesmo seguindo as normas previstas de segurança. “Usamos álcool em gel, máscaras. Mas o problema desse vírus é que os sintomas aparecem depois do contágio, é invisível”, lamentou.

Além disso, para ele, o fato do pai ser muito ativo e comunicativo, estar sempre na linha de frente do trabalho da empresa e nos serviços que limpeza que foram agregados à marcenaria, facilitou tanto que ele fosse infectado pela covid-19, quanto que a transmitisse para outras pessoas.

Sintomas – André apresentou certo mal estar na terça-feira, 28 de abril. Com dores no peito, Alexandre o levou até o hospital da cidade, onde recebeu medicamento contra dor e voltou para casa. “Parece que ele teve um pouco de febre também, mas nenhum outro sintoma característico de covid”, disse.

Uma semana depois, em 4 de maio, ele apresentou falta de ar em casa e foi levado pela esposa, madrasta de Alexandre, novamente ao hospital. Com sinais de agravamento do quadro, no dia seguinte, ele foi encaminhado para ser internado em Três Lagoas, onde ficou na UTI (Unidade de Terapia Intensiva).

“Não tem UTI aqui e as médicas se anteciparam e já pediram o encaminhamento dele para Três Lagoas. E acreditar a gente sempre acredita, como cristãos, orávamos para que ele se curasse, mas desde o primeiro dia dele na UTI o quadro só se agravou. A medicina fez o que pôde”, avalia.

Despedida pelo celular - Sem poder se despedir pessoalmente do pai, um dia antes da morte, equipe do hospital ligou para Alexandre de forma que ele pudesse se despedir. “Acho que eles já sentiam que não ia ter jeito”. Assim, ele viu o pai vivo pela última vez pela tela do celular.

No dia seguinte, outra chamada de vídeo informaria o falecimento. Até mesmo o enterro, que ocorreu cerca de quatro horas após o óbito, que ocorreu às 20h30 de ontem, foi acompanhado pelo celular. “Mesmo que não estivéssemos em isolamento, a despedida teria que ser rápida, com poucas pessoas”, afirma.

Para Alexandre, o pai foi um grande exemplo de homem. Sobre o legado, ele acredita que André o inspirou por ser “forte e lutar sempre, encarar as circunstâncias da vida com honradez e acima de tudo, com fé em Deus”, fala. Ele ainda lembra que o pai era muito “amoroso e cuidador”.

Ao que tudo indica, André foi contaminado por covid-19 em evento familiar com parentes que teriam vindo de São Paulo. Como não participou do ato, que foi com a família da atual esposa do pai, Alexandre não quis comentar sobre o caso.

Em toda cidade de Brasilândia, segundo dados da SES (Secretaria de Estado de Saúde), 15 pessoas estão contaminadas com a doença. O município tem cerca de 12 mil habitantes.

A sogra de André, de 70 anos, está internada em UTI também em Três Lagoas, com o novo coronavírus.

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