Estudo de 4 pesquisadores sobre covid compara curva de Dourados a Manaus
Trabalho encomendado pela Defensoria Pública afirma que contaminação em Dourados é crescente e não dá sinais de recuo
O crescimento exponencial da curva da covid-19 em Dourados, epicentro do novo coronavírus em Mato Grosso do Sul, coloca a maior cidade do interior do Estado em condições parecidas àquela vivida por Manaus entre abril e maio, quando o sistema de saúde da capital do Amazonas entrou em colapso.
Estudo de quatro pesquisadores de três universidades brasileiras, encomendado pela Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, afirma que a contaminação em Dourados é crescente e não dá sinais de recuo nas próximas duas semanas.
O estudo foi elaborado por Fernando Ferraz Ribeiro, da Universidade Federal da Bahia; Marco Aurelio Boselli, da Universidade Federal de Uberlândia (MG); Everaldo Freitas Guedes, doutor em modelagem computacional aplicada à tecnologia industrial, de Salvador (BA), e Fernanda Vasques Ferreira, da Universidade Federal do Oeste da Bahia, com sede em Santa Maria da Vitoria (BA).
Números atualizados nesta quarta-feira (1º) mostram que Dourados tem 2.670 casos positivos do novo coronavírus e 27 mortes. A 27ª foi confirmada nesta tarde pela Secretaria Estadual de Saúde.
O documento alerta que o número de óbitos pode dobrar nas próximas duas semanas. Segundo o relatório, em Dourados a pandemia ainda está em fase de crescimento e não dá sinais de redução do número de casos confirmados. O estudo foi concluído no dia 23 de junho e divulgado hoje.
O professor e pesquisador da Universidade Federal de Uberlândia Marco Aurélio Boselli afirma que as medidas de isolamento social são as mais eficazes até o momento para conter o avanço da pandemia. Dourados tem toque de recolher das 20h às 5h e o comércio abre das 11h às 18h15 desde a semana passada, mas ainda insuficientes para frear o vírus.
“Fizemos previsões baseadas em modelo científico testado com dados do mundo todo. Este estudo mostra que a epidemia ainda está crescendo em Dourados e com tendência de aumento do número de casos e óbitos para as próximas semanas”, explicou Boselli, mestre e doutor em ciências pelo Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Dedicado aos estudos de modelos matemáticos epidemiológicos usando a experiência profissional em matemática e computação, o pesquisador explica que os modelos foram desenvolvidos para ajudar no entendimento da evolução da doença e podem auxiliar autoridades na tomada de decisões.
O estudo identificou que há projeção ascendente de crescimento exponencial no número de casos acumulados em Dourados nos próximos 14 dias.
“Precisamos reiterar que são previsões a partir de modelo epidemiológico que considera diferentes variáveis. As medidas adotadas e cuidados assumidos pela população podem diminuir o número de casos e, consequentemente, os óbitos. Por outro lado, a falta de medidas mais ostensivas em relação ao isolamento social e cuidados por parte das pessoas podem fazer o número de casos crescer acima do previsto”, explicou Marco Aurélio Boselli.
Conforme o documento, em 14 dias o número de óbitos pode dobrar na cidade em relação ao início do estudo. Esse prazo vence no dia 7, terça-feira que vem.
Dados obtidos pelos pesquisadores mostram que houve crescimento contido do número de mortes até 13 de junho, quando Dourados tinha quatro óbitos por covid-19. Dessa data em diante, o quadro de óbitos teve aumento exponencial, o que já era esperado devido ao crescimento dos casos. Mais 23 douradenses morreram daquele dia até esta quarta-feira, 1º de julho.
Interiorização – O relatório da pesquisa mostra que Dourados exemplifica a interiorização da pandemia no Brasil. Mesmo com um quarto da população de Campo Grande, a cidade do interior tinha, quando o estudo estava sendo feito, número total de casos diagnosticados aproximadamente 50% maior do que os registrados na Capital.
Hoje, no entanto, essa diferença diminuiu. Com o aumento dos casos em Campo Grande, até a manhã desta quarta-feira Dourados tinha 179 casos positivos a mais.
“Dourados está em primeiro lugar em número de casos confirmados no MS e em quinto lugar em número de casos relativos por cem mil habitantes. A análise geoespacial mostra que as cidades que aparecem nas primeiras posições têm populações muito inferiores e isso também chama a atenção e acende o alerta para o MS”, explica o professor e pesquisador Fernando Ferraz Ribeiro.
No mapa de casos confirmados em Mato Grosso do Sul, Dourados e os municípios do entorno aparecem em destaque. Das quatro cidades que apresentam maior número de casos por cem mil habitantes, apenas Guia Lopes da Laguna não tem limites com Dourados. Das dez cidades com maior número de casos por cem mil habitantes, seis são vizinhas de Dourados.
“Nossa análise indica que 47,2% dos casos registrados até o dia 23 de junho se concentram em Dourados e municípios que fazem fronteira com a cidade objeto do estudo. Se forem acrescidos os municípios de Vicentina e Glória de Dourados, esse indicador alcança quase a metade (48,6%) dos casos do Estado”, afirmou Everaldo Freitas Guedes.
“Dourados apresenta as maiores taxas de crescimento mensal em comparação com o mês anterior. Em maio, o número de infectados cresceu 2.563,6% em relação a abril, enquanto em junho, essa taxa alcança 465,9%”, alerta Everaldo.
Medidas sem efeito – Para a professora e pesquisadora da Universidade Federal do Oeste da Bahia Fernanda Vasques Ferreira, o dado é alarmante e reflete o impacto das reduzidas medidas de isolamento social implementadas em Dourados.
“Analisando os decretos municipais, identifico que não houve medidas de efetivo impacto para reduzir a mobilidade da população e aumentar a taxa de isolamento social”, afirmou Fernanda Ferreira.
A pesquisadora avalia que o Dia das Mães é data social em que as pessoas tendem a se reunir e também data importante para o comércio.
“Exatos 15 dias após o Dia das Mães – em que houve ampliação do horário de funcionamento do comércio da cidade e, portanto, tendência de aglomeração – identificamos correlação no crescimento da curva de casos de Dourados”, explicou Fernanda, doutora em comunicação pela Universidade de Brasília.
Manaus - O estudo também faz análise comparada com a curva de casos confirmados em Manaus, considerada emblemática no Brasil. Segundo os pesquisadores, a comparação entre casos de estudo e casos emblemáticos da pandemia contribui para antecipar cenários futuros, embora, segundo os pesquisadores, toda ferramenta analítica apresente limitações.
A nota técnica explica que no começo, Manaus apresentou evolução com velocidade mais acentuada que Dourados. Próximo ao ponto de arrefecimento da curva da capital do Amazonas, a evolução da cidade de Dourados começa a apresentar velocidade crescente com inclinação próxima à registrada anteriormente em Manaus, por tempo também semelhante.
Após um ligeiro arrefecimento, a velocidade da curva que indica os casos de contaminação de Dourados segue sem sinais de mudança de padrão. “É possível identificar que as curvas de casos por cem mil habitante se aproximam e que as curvas que mostram a velocidade da contaminação também se aproximam, considerando os critérios apresentados”, revela o estudo.