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Interior

Indigenas acusam seguranças de incendiar casa pela terceira vez em uma semana

Indígena diz ter sido a terceira vez que sua casa é incendiada por seguranças privados

Adriano Fernandes | 06/09/2021 21:09
Campo Grande News - Conteúdo de Verdade

Indígenas guarani kaiowá denunciam que estão sofrendo ataques de seguranças privados de fazendeiros, desde a semana passada, na reserva indígena de Dourados, cidade a 233 quilômetros de Campo Grande. No mais recente atentado, ocorrido na manhã desta segunda-feira (06), os capangas foram flagrados ateando fogo na casa de uma família na área tekoha Avae’te.

Pelo menos três casas dos kaiowá  foram incendiadas, desde a semana passada, segundo relatos dos indígenas ao CIMI (Conselho Indigenista Missionário). Vídeo feito pelos moradores, mostra os seguranças chegando ao local em duas caminhonetes. Segundo os indígenas, antes de queimar a casa, eles haviam efetuado disparos de arma de fogo na região. “Quando chegou ali, deram tiro. E aí a criançada saiu da casa e correu, e a mãe também, o marido e as três crianças. Por isso que ele aproveitou, chegou lá e queimaram”, relata a kaiowá Kunha Redyi, também moradora do tekoha.

Com medo, pais e três filhos abandonaram a casa, que então foi queimada. No vídeo, é possível perceber que um dos seguranças caminha do automóvel branco até a casa coberta de sapé – material sagrado para os Guarani Kaiowá e altamente inflamável. Enquanto isso, os homens da caminhonete preta dão cobertura – segundo os indígenas, está seria a caminhonete do “atirador”. Os seguranças impedem que os Guarani Kaiowá se aproximem da casa, que rapidamente é tomada pelo fogo.

Confira o vídeo. 

Segundo Kunha Poty, moradora da casa que foi queimada na manhã de hoje (6), esta já é a terceira vez que sua casa é incendiada pelos seguranças privados que atuam no local.

“Nós queremos e precisamos de ajuda para reconstruir a nossa casa. Até nos meus filhos já atiraram, não temos sossego. Nessa hora, nós nos juntamos e saímos correndo. Esses Karaí [não indígenas] nos perseguem. Não precisamos deles para ficar aqui. Queremos ficar fortes para nos juntar. Não vamos nos intimidar. Vamos reconstruir a nossa casa”, afirmou a indígena ao Cimi Regional Mato Grosso do Sul, em visita ao local, nesta segunda.

 Antes de irem embora, os seguranças teriam ameaçado retornar ao local, para destruir o resto das casas. “Quando viram que a gente filmou, falaram assim: ‘vamos vir de noite, porque de noite não dá para tirar vídeo e nem foto, que é escuro. Vamos à noite mesmo, derrubar todas essas casas aí’”, relata a indígena, que testemunhou o ataque.

“Como que ela [moradora da casa queimada] vai dormir hoje, se ela não tem nada? Nem roupa das crianças, nem nada. A família perdeu tudo, comida, cobertas, tudo”, prossegue a indígena. “Queimaram tudo, tinha até cachorro chorando, gritava criança. Sorte que ninguém foi ferido. Ela salvou só a roupa que estava vestindo. Ficou sem nada”, desabafa.

Violência - Desde a semana passada, segundo os indígenas, esta já é a terceira casa queimada no tekoha Avae’te. Na terça-feira passada (31), outra casa foi queimada pelos seguranças no local. O ato de violência se repetiu também no sábado (4), quando uma segunda casa foi queimada.

O tekoha Avae’te é uma das retomadas que ficam próximas aos atuais limites da reserva de Dourados, área reivindicada pelos indígenas como parte de seu território tradicional. As retomadas da região vivem um contexto de violência extrema e constante, com ataques quase diários de seguranças privados, que utilizam uma caixa d’água como “base” de operações no local.

Outra ferramenta característica da atuação dos fazendeiros no local é o uso de um trator blindado e modificado com chapas de metal, utilizado para atacar os indígenas e derrubar os barracos das retomadas – além de servir, segundo os relatos das lideranças, como plataforma de tiro contra os guarani kaiowá. Por este motivo, o trator modificado foi apelidado pelos indígenas de “caveirão”.

Segundo o relato dos indígenas, o caveirão ainda continua atuando na região, e foi utilizado nos ataques contra o tekoha Avae’te, na semana passada. “O ‘caveirão’ ainda está rodando por aqui”, relata Kunha Rendyi.

Os ataques contra os indígenas no local são constantes e se intensificaram a partir de outubro de 2018. Na noite em que foi confirmada a vitória do atual presidente da República, Jair Bolsonaro, no dia 28 daquele mês, 15 Guarani e Kaiowá foram feridos por disparos feitos com balas de borracha e de gude. Desde então, as ações violentas já deixaram inúmeros feridos por projéteis de borracha e armas de fogo, muitos com gravidade.

Investigação - Desde 2019, o Ministério Público Federal (MPF) investiga os conflitos no local, que envolvem também outras retomadas da área, como o tekoha Nhu Vera. Segundo o órgão, os processos tramitam sob sigilo de justiça.

A violência a que os indígenas estão submetidos na região está diretamente ligada ao contexto da reserva de Dourados, onde cerca de 20 mil indígenas vivem confinados em apenas 3,4 mil hectares. Além de reivindicar áreas no entorno da reserva como parte de seu território de ocupação tradicional, os indígenas denunciam a apropriação privada de partes da área da reserva, que passou por sucessivas reduções desde sua criação, no início do século XX.


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