Justiça vê manobra “fura-fila” de doentes e barra pagamento de UTI particular
“Pode me prender, mas não ia deixar minha mãe morrer”, diz Luciana
O drama da falta de leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) em Três Lagoas, a 338 km de Campo Grande, repercute na Justiça, que negou custear o tratamento de dois pacientes na rede particular sob justificativa de “fura-fila”.
Uma das famílias amarga conta de R$ 32 mil na rede privada. A outra comemora a melhora da paciente, mas não tem ideia de como pagar. “Pode me prender, mas não ia deixar minha mãe morrer esperando”, diz a filha da paciente.
Izabel Rodrigues Gama, 60 anos, teve sintomas gripais e na última quinta-feira (dia 18) foi ao Hospital Auxiliadora, que atende SUS (Sistema Único de Saúde) e particular. A paciente precisava de vaga na UTI, mas o hospital só tinha leito privado.
A filha Luciana Rodrigues Gama, 41 anos, fez um documento de próprio punho autorizando a internação particular. “Não tinha vaga pelo SUS e a minha mãe não ia morrer esperando. Pode me prender, o importante é a saúde da minha mãe”, diz. Desempregada, ela tem uma dívida de quase R$ 6 mil com o hospital. A mãe ficou três dias na UTI e agora segue o tratamento em leito clínico.
A filha acionou a Defensoria Pública, que pediu a vaga à Justiça. Mas a solicitação foi negada pela juíza Janine Rodrigues de Oliveira Trindade, da 1ª Vara do Juizado Especial Cível e Criminal.
“Nesta hora de qualificada escassez de leitos, inclusive na rede privada, a concessão judicial de tutela provisória teria apenas o efeito nocivo de provocar alteração na ordem da fila, sem a garantia de que esta seria a decisão mais adequada, porque desconhecidas as condições de saúde dos demais pacientes necessitados de internação”, afirma a magistrada.
Pagamento negado – Na outra ação, está um paciente de 82 anos. Ele apresentou problemas de saúde e falta de ar no dia 19 de março. O paciente foi recusado na UPA e a família, desesperada, levou o idoso para o hospital da Cassems (Caixa de Assistência dos Servidores do Mato Grosso do Sul).
Os familiares pagaram R$ 3 mil pelo atendimento, mas a dívida já chega a R$ 32.342,44. A Defensoria Pública pediu que a Justiça ordenasse abertura de vaga na rede pública ou o custeio do leito de UTI na rede particular.
“A manutenção da saúde, e, destarte, da própria vida e dignidade, cuida-se de direito público subjetivo do autor, haja vista que sem o tratamento adequado intensivo, tal qual prescrito pelo médico que lhe assiste, não terá qualquer chance de sobreviver”, afirma a defensora Rita de Cássia Vendrami Pusch de Souza na ação.
Ao negar os pedidos da Defensoria Pública, a juíza Janine Rodrigues de Oliveira Trindade avaliou que neste período de verdadeira calamidade pública é preciso que o Judiciário exerça redobrado juízo para que intervenções, embora bem-intencionadas, não provoquem desorganização administrativa.
“O deferimento da medida pretendida implicaria, ainda, aval do Poder Judiciário para que a população em geral inicie seu tratamento junto à UTI privada e, depois, busque o respectivo custeio por parte dos entes públicos, em verdadeira manobra para ‘furar’ filas, em prejuízo ao erário e à coletividade”, afirma a magistrada. As ações são contra a prefeitura de Três Lagoas e o governo do Estado.