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Interior

Lágrimas, revolta e mortes marcam a luta dos guarani-kaiowá pela terra

O conflito de Caarapó com a morte de um índio e outros sete feridos é mais um capítulo da guerra que se instalou em Mato Grosso do Sul

Helio de Freitas, de Dourados | 15/06/2016 20:27
Índios reunidos agora à noite no meio da estrada, após a chegada do corpo de Clodioudo (Foto: Helio de Freitas)
Índios reunidos agora à noite no meio da estrada, após a chegada do corpo de Clodioudo (Foto: Helio de Freitas)
O cacique Karujuá mostra, passo a passo, o ataque dos fazendeiros (Foto: Helio de Freitas)
O cacique Karujuá mostra, passo a passo, o ataque dos fazendeiros (Foto: Helio de Freitas)

Terminou às 18h desta quarta-feira (15) a espera de 30 horas pelo corpo do agente de saúde Clodioudo Aguile Rodrigues dos Santos, 26, índio guarani-kaiowá morto em confronto com fazendeiros por volta de 11h do dia anterior na divisa da fazenda Yvu com a reserva indígena Tey Kuê, no município de Caarapó, 283 km ao sul de Campo Grande.

Depois de meia hora parado em frente ao batalhão da Polícia Miliar, um carro funerário da empresa Inter Pax seguiu para a área de conflito levando o corpo de Clodioudo.

Apenas o procurador da República Marco Antonio Delfino de Almeida e alguns jornalistas acompanharam. Policiais federais e militares tinham retornado há pouco do local e não fizeram a escolta. Almeida disse que a decisão de seguir mesmo sem a presença da polícia foi dele.

No meio da estrada de areia que liga Caarapó a Laguna Carapã e passa pelas terras indígenas, o caixão foi entregue aos “parentes” do rapaz. O pai, Luciano, tios e outros familiares, o aguardavam na escola Yvy Poty, onde será velado durante toda a noite. O enterro deve ocorrer pela manhã, na área em disputa, onde Clodioudo caiu ferido.

Espera angustiante – Desde as primeiras horas da manhã, familiares de Clodioudo, como seu tio o cacique Karujuá, esperavam pela chegada do corpo para fazer o velório na sede da fazenda Yvu, onde ocorreu o confronto. É ali que ele será enterrado, segundo Karujuá.

Clodioudo é apenas mais um dos vários guarani-kaiowá que morreram nos últimos 20 anos em Mato Grosso do Sul em uma luta que parece muito longe do fim. Certamente não será o último. De Sidrolândia, na região central do Estado, a Japorã, no extremo sul, há territórios reivindicados pelos índios – todos titulados como propriedades de produtores rurais.

Em Caarapó, no entanto, os sobreviventes do confronto sangrento de segunda-feira, que mais uma vez só teve vítima do lado dos índios, decidiram cobrar o fim da matança e exigem do governo federal, do Ministério Público da Polícia Federal um atendimento mais eficiente, urgente e constante para que os criminosos paguem pela morte de Clodioudo e pelos ferimentos em outros sete índios.

Catando corpos - “Não adianta vir aqui só recolher corpo como fizeram ontem. Eu quero que alguém me responda: por que a Polícia Federal sempre diz que não tem viatura para nos atender?”, afirmou ao Campo Grande News Nardo Avarandy, 54, que apontou um fazendeiro conhecido como Virgílio como o chefe do ataque de terça-feira.

Nardo manda um recado para quem acha que os índios pensam em desistir das terras: “eu, meu irmão, meu companheiro aqui, não estudamos, aprendemos com a vida, mas esses meninos que estão nesse local estudam, os pequenos estão na sétima série, oitava série, os maiores indo para a faculdade e o objetivo de todos é o mesmo, voltar para nossas terras. Não é antropólogo que fala que a terra é nossa, são nossos pais, nossos avós, nossos tios”.

Motos queimadas, segundo os índios, durante o ataque dos produtores rurais (Foto: Helio de Freitas)
Motos queimadas, segundo os índios, durante o ataque dos produtores rurais (Foto: Helio de Freitas)
Longe de policiais, índios demonstram clima de paz (Foto: Helio de Freitas)
Longe de policiais, índios demonstram clima de paz (Foto: Helio de Freitas)

Tranquilo e favorável, mas com a polícia longe – É difícil retransmitir aos leitores com 100% de fidelidade o clima que impera naquela área de confronto localizada a 15 km de Caarapó, encravada no meio do nada, onde apenas o celular dos índios tem sinal. Nem mesmo que passa oito horas ali consegue entender bem o que ali acontece.

“Vamos, vamos, estamos esperando vocês lá, queremos falar e queremos que vocês mostrem o que aconteceu de verdade”, foi o que disse um índio hoje de manhã ao recepcionar, na mesma estrada de areia onde chegou o corpo de Clodioudo, as duas equipes de reportagem presentes no local.

“Eu não aconselho vocês irem lá, não podemos garantir a segurança de vocês”, foi o que disse o tenente-coronel Carlos Silva, comandante da Polícia Militar na região e que iria até próximo à escola, em busca as armas tomadas dos policiais na terça-feira.

Mas, os índios estavam mesmo dispostos a falar com a imprensa e não havia nenhum risco à segurança dos repórteres. Mesmo assim ainda incomodava aquele o falso clima de tranquilidade em pleno local onde uma pessoa morreu e sete ficaram feridas durante o ataque dos fazendeiros.

É a presença de policiais, tanto militares quanto federais, carregando armas longas automáticas, que deixa os guarani-kaiowá inquietos. “Para que essa arma desse tamanho, vai atirar em nós?”, perguntou uma das lideranças a um policial do Bope (Batalhão de Operações Policias Especiais da Polícia Militar).

Até mesmo na escuridão – desde que longe da presença da polícia – os índios demonstram clima de amizade com repórteres, funcionários da Funai e com o representante do Ministério Público Federal.

Mas de tranquilo o clima em Caarapó não tem nada. Os índios já ocupam pelo menos quatro fazendas nos arredores da aldeia Tey Kuê e falam que entraram para ficar. Bois e máquinas estão sendo retiradas das propriedades, com a intermediação do procurador da República. As lavouras de cana estão todas sendo devoradas pelo fogo.

Professora fala em guarani com os “patrícios” em local onde agente de saúde indígena morreu (Foto: Helio de Freitas)
Professora fala em guarani com os “patrícios” em local onde agente de saúde indígena morreu (Foto: Helio de Freitas)
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