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Interior

Pai e marido zeloso, Cidinho morreu sem ter ideia de como contraiu a covid-19

Os primeiros sintomas da doença começaram em 2 de junho e Aparecido faleceu um mês depois, em hospital de Dourados

Lucia Morel | 09/07/2020 08:34
Cidinho, ao lado da esposa, Márcia. (Foto: Arquivo Pessoal)
Cidinho, ao lado da esposa, Márcia. (Foto: Arquivo Pessoal)

Cidinho sempre foi chamado com carinho. De Douradina, a 196 Km de Campo Grande, Aparecido dos Santos Alexandre, de 50 anos, morreu no último dia 2 de julho de covid-19 no Hospital Evangélico, em Dourados.

Sem doença prévia que justifique o agravamento do quadro de saúde, para a esposa, a única explicação é ele ter histórico de tratamento de câncer de próstata entre 2015 e 2016, com realização de quimio e radioterapias. “Ele não tinha nada. Era super saudável”, afirmou Márcia Aparecida Rodrigues, 45 anos e que há seis havia casado com Cidinho.

Coordenador de Vigilância Epidemiológica na Prefeitura de Douradina, Aparecido estava há 27 anos como servidor concursado do município e segundo a esposa, tomava todos os cuidados possíveis para não ser contaminado com a covid. Tanto, que a incógnita é justamente saber como ele se contaminou.

“Eu e minha filha ficamos fazendo mil perguntas e não concluímos nenhuma possibilidade de como ele pode ter pegado a doença. Não sabemos como foi. Houve falha no cuidado, mas não sabemos como, até porque nenhuma de nós testou positivo”, relatou.

O exame feito por ela, por suas duas filhas e pela filha de Cidinho foi do modelo rápido, que usa gota de sangue para identificar se a pessoa já teve ou não contato com o vírus da covid-19. No entanto, só é detectado, no oitavo dia de infecção. Antes disso, o registro pode aparecer como negativo, mesmo que a pessoa esteja contaminada.

Márcia conta que o marido começou a sentir os primeiros sintomas da doença em 2 de junho, quando apresentou tosse. Ele foi ao médico e começou processo de isolamento e tomou alguns medicamentos. Seis dias depois ele piorou, e apresentou falta de ar, quando foi direto a Dourados, na UPA (Unidade de Pronto Atendimento).

Márcia e o marido. (Foto: Arquivo Pessoal)
Márcia e o marido. (Foto: Arquivo Pessoal)

Lá, passou por teste de covid, que deu positivo e ele já fico internado. Márcia inclusive foi “chamada a atenção” por ter ido junto, já que o marido era caso suspeito. Lá, ele já ficou internado na UPA e dois dias depois, encaminhado para vaga no Hospital Evangélico.

“A gente conversava via Whats App direto, porque não podia ir vê-lo. Ele sempre dizia que estava se alimentando bem, que estava sendo bem tratado e me tranquilizava”, contou.

Segundo a esposa, Cidinho foi tratado com anticoagulantes e corticoides, tratamento padrão nos casos do novo coronavírus, mesmo não sendo medicamentos específicos para a doença. “Ele passou 10 dias na enfermaria, antes de ser entubado”, lembra.

Márcia conta que pouco antes de ter que ser entubado para respirar por aparelhos – devido o agravamento no quadro respiratório – o marido recebeu oxigênio na enfermaria, porque apesar dos cuidados, a covid-19 avançou. Ele foi para uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) em 18 de junho.

Passaram-se mais 15 dias até que Cidinho falecesse. Para a esposa, que é auxiliar de saúde bucal na Prefeitura de Douradina, se não fosse o novo coronavírus, o marido ainda estaria vivo. Aparecido fazia parte do comitê de combate à covid-19 na cidade.

Radioterapia – Entre setembro de 2015 e 2016, Aparecido submeteu-se a tratamento para curar um câncer de próstata, em que fez sessões de quimioterapia e também de radioterapia.

A filha de Cidinho, Gleici, e ele. (Foto: Arquivo Pessoal)
A filha de Cidinho, Gleici, e ele. (Foto: Arquivo Pessoal)

De lá para cá, conforme Márcia, Cidinho nunca mais apresentou a neoplasia e ia com frequência ao médico para fazer acompanhamento e verificar se havia alguma recaída. “A última consulta seria em abril, mas por causa da pandemia, não marcara. Mas antes disso, ele já tinha feito check-up em outubro, e estava tudo bem”, comentou.

Ela conta que desde que os primeiros casos de covid-19 surgiram em Mato Grosso do Sul ela começou a se cuidar, principalmente porque considerava tanto o marido, que já  havia passado por tratamento de câncer, quanto a filha, que tem bronquite, como vulneráveis a quadro grave da doença.

“Eu não conversava com ninguém, parei de falar até com os vizinhos para não correr risco. Não sei qual momento falhou o cuidado. É um vírus sério e acho que a gente não vai achar a origem”, lamentou.

Legado - Para ela, o marido deixa o legado de cuidado, porque era zeloso com a família e preocupado com todos.

“Era cuidados conosco em casa, com a filha delem com a mãe. Se preocupava com todo mundo”, além de, segundo ela, “ser um profissional dedicado, responsável e admirado”.

Ao enviar as fotos que ilustram essa matéria para a reportagem, Márcia afirma que “foram muitos momentos bonitos vividos em tão pouco tempo. Apenas seis anos”, relembra.

Nas redes sociais, a filha de Cidinho, Gleici Alexandre, de 23 anos, fez uma declaração de amor ao pai, em 18 de junho, dia em que ele foi encaminhado para a UTI. Nela, afirma que ele era seu maior exemplo de vida e de fé e contava os dias para revê-lo e dar muitos abraços.

A realidade não se cumpriu como esperado, mas como a própria declaração diz, Cidinho tinha uma voz calma e orientava a filha a também se acalmar, porque “Deus está contigo”. “Sim paizinho, ELE está conosco. Hoje eu te cuido em oração”.

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