PMs presos: cocaína foi achada de novo em “boca” cinco dias após apreensão
Os três policiais presos ontem em Dourados são acusados de desviar droga apreendida em abril
Os três integrantes da Força Tática da Polícia Militar presos ontem (23) em Dourados, a 233 km de Campo Grande, são acusados de se apossarem de pelo menos 20 quilos de cocaína apreendidos por eles no dia 3 de abril deste ano, no Jardim Água Boa, região sul da cidade.
Cinco dias depois da apreensão, 11,6 quilos da cocaína foram encontrados em ponto de venda de drogas na Vila Cachoeirinha, estourada pela Defron (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Fronteira). Era apenas parte do entorpecente que seria totalmente entregue depois de combinado o lucro de cada um.
Segundo documentos sigiloso da investigação aos quais o Campo Grande News teve acesso, os donos da “boca”, os irmãos Alan Nascimento Ferreira e Jonatan Nascimento Ferreira, eram sócio dos policiais. Os PMs repassavam aos irmãos parte da droga que apreendiam nos bairros de Dourados e dividiam os lucros com a venda.
Os cabos Robson Valandro Marques Machado e Vlademir Farias Cabreira e o soldado Deyvison Hoffmeister dos Santos foram presos ontem em Dourados pela Corregedoria da PM no âmbito de ação penal em andamento na Justiça Militar. A prisão preventiva deles foi decretada pelo juiz Alexandre Antunes da Silva.
PM em ação – A apreensão da droga, que depois seria repassada aos irmãos traficantes, ocorreu após abordagem a André Marcelo Silva Morais, 27.
Valandro, Vlademir e Hoffmeister patrulhavam a cidade quando pararam o carro de André, um Astra ano 2001. Segundo o boletim de ocorrência elaborado pelos policiais, o veículo foi abordado devido ao trincado no para-brisa, mas já havia suspeita de que o rapaz vendia droga.
Durante vistoria no carro, a equipe da Força Tática encontrou papelote de cocaína. André teria dito que apenas guardava a droga e que tinha mais guardado em sua casa, na Rua Ediberto Celestino de Oliveira.
Tanto na ocorrência da PM quanto o boletim registrado na Depac (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário) consta a informação de que na casa de André foram apreendidos 99 quilos de maconha, 10 quilos de pasta-base de cocaína e 115 gramas de crack.
As drogas estavam dentro de bolsas escondidas sob o sofá. Entretanto, na verdade tinha bem mais cocaína que o registrado no B.O. Seriam pelo menos 30 quilos.
Fato curioso é que na ocorrência da PM aparecem os nomes dos três policiais como responsáveis pela prisão do traficante, mas apenas Valandro e Vlademir entregaram a droga e o acusado à Polícia Civil. O “feito” da equipe foi divulgado em sites locais de notícias e na página da Força Tática no Instagram.
A casa caiu – O esquema criminoso supostamente envolvendo os policiais da Força Tática começou a desmoronar cinco dias depois da apreensão da droga na casa de André Marcelo Morais.
Na Rua José Martins, na Vila Cachoeirinha (região sul de Dourados), policiais da Defron prenderam um sócio dos PMs, Jonatan Nascimento Ferreira. Os agentes já investigavam denúncia de que o local servia como ponto de distribuição de droga.
No endereço, os policiais da Defron apreenderam a cocaína e o celular de Jonatan. Perícia feita no aparelho revelou detalhes do esquema envolvendo os irmãos traficantes e os PMs da Força Tática.
Inicialmente, as provas levavam apenas a Deyvison Hoffmeister dos Santos, mas investigações comprovaram logo em seguida que Valandro e Vlademir também faziam parte do esquema.
Conforme a ação penal em andamento na Justiça, Jonatan e o PM Hoffmeister mantinham na casa da Vila Cachoeirinha depósito de droga e produto químico destinado ao preparo de cocaína.
“Apurou-se que o policial militar Deyvison Hoffmeister dos Santos detinha uma carga de vinte quilogramas de cocaína e que a droga estava sendo negociada por Jonatan Nascimento Ferreira e pela pessoa precariamente identificada por ‘Sisi’ com possíveis compradores de outro Estado da Federação”, afirma trecho da ação.
“O mencionado policial militar entregou ao aludido denunciado [Jonatan] parte da substância entorpecente, para a concretização da negociação ilícita. Assim, parte daquela carga de cocaína, mediante autorização do supracitado policial militar, permaneceu na residência de Jonatan Nascimento Ferreira”, cita outro trecho do processo.
Sociedade da droga – Conforme o inquérito policial, em março e abril deste ano, os irmãos Alan e Jonatan Nascimento Ferreira montaram sociedade com o policial militar Hoffmeister para, “em ajuste estável e permanente de vontades”, vender drogas e dividir os lucros.
“O policial militar Deyvison Hoffmeister dos Santos era o responsável pelo fornecimento das drogas. Jonatan Nascimento Ferreira intermediava a negociação das drogas. Alan Nascimento Ferreira, irmão de Jonatan, era o responsável pela venda fracionada da maconha, especialmente às pessoas precariamente identificadas por ‘Felipe Neguinho’ e ‘Jayson’. A cocaína era negociada por Jonatan e pela pessoa precariamente identificada por ‘Sisi’, com possíveis compradores, inclusive de outros Estados da Federação”, afirma trecho da denúncia do Ministério Público.
Ainda segundo a investigação, após a venda da maconha e da cocaína, era separado o valor para pagar o fornecedor (o PM). O lucro era dividido entre os irmãos Jonatan e Alan e “Sisi”.
Venda de armas – A varredura no celular de Jonatan Nascimento Ferreira revelou que, além do tráfico de maconha e cocaína, o PM Hoffmeister e o sócio mantinham comércio ilegal de armas, fornecidas pelo policial e vendidas pelo traficante.
“Em março e abril de 2021, Jonatan Nascimento Ferreira e o policial militar Deyvison Hoffmeister dos Santos venderam e expuseram à venda armas de fogo, no exercício de atividade comercial clandestina, sem autorização e em desacordo com determinação legal”, cita o processo.
“O mencionado policial militar e o aludido imputado [Jonatan], agindo com habitualidade, realizaram a venda de uma pistola de calibre 9 mm pelo preço de R$ 6.500, bem como expuseram à venda várias outras armas de fogo”, afirma a denúncia do MP.
Além de terem concretizado a venda da pistola, os dois colocaram à venda uma pistola Bersa por R$ 4.800, uma pistola Taurus por R$ 5.800, um revólver de calibre 38 por R$ 3.500 e uma pistola calibre 40 por R$ 6 mil.
A ação penal em andamento na Justiça Militar está em segredo de justiça. Por isso não há informações abertas sobre o momento em que os outros dois PMs passaram a ser investigados, pois no início apenas Hoffmeister aparecia como sócio dos irmãos traficantes.
Segundo fontes ouvidas pela reportagem, os três estavam sempre juntos e seria “quase impossível” que Valandro e Vlademir não tivessem envolvimento.
Porte ilegal – Ontem, ao cumprir os mandados de buscas e de prisão preventiva dos três policiais, a equipe da Corregedoria da PM apreendeu na casa de Robson Valandro uma pistola Jericho 9 milímetros, de fabricação israelense.
Assim que os três policiais da Corregedoria chegaram à residência no Jardim Esplanada, Valandro disse tinha duas armas, uma registrada e a 9 milímetros ilegal. Também foram apreendidos dois carregadores com 27 cartuchos.
O PM disse que tinha comprado a pistola de um homem conhecido por “Ceará” no distrito de Itahum, em Dourados, por valor do qual não se recorda. Ele foi autuado em flagrante por porte ilegal de arma. Os três foram levados ontem mesmo para a Capital.
Na audiência de custódia, hoje cedo, a juíza Eliane Freitas de Lima Vicente concedeu liberdade provisória a Robson Valandro pelo crime porte ilegal de arma. Entretanto, devido à prisão preventiva decretada no processo por tráfico de drogas, ele e os outros dois PMs vão continuar recolhidos no Presídio Militar em Campo Grande.
Em 2018, Deyvison Hoffmeister dos Santos ficou conhecido em Dourados por decorar a festa de 10 anos do filho com símbolos da Força Tática. Na festa, o menino usou farda semelhante à do pai.