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Interior

PMs são presos, 9 anos após acusação de torturar adolescente até a morte

Absolvidos do crime de tortura, policiais acabaram condenados por prevaricação e falsidade ideológica

Anahi Zurutuza | 02/08/2023 20:41
Carteira funcional do "Cabo Lemes", hoje segundo-sargento (Foto: Reprodução)
Carteira funcional do "Cabo Lemes", hoje segundo-sargento (Foto: Reprodução)

Nove anos depois, foram presos dois dos policiais militares envolvidos em perseguição que acabou com adolescente de 16 anos morto. O segundo-sargento Lindolfo Lemes Fernandes Junior, de 44 anos, e o cabo Daniel Paes da Fonseca, 41, estão no Presídio Militar Estadual, em Campo Grande, desde o dia 24 de julho.

Ainda em 2014, ano da morte, os PMs foram denunciados por torturar o garoto, que chegou sem sinais vitais a hospital de Anaurilândia – cidade a 371 km de Campo Grande –, após a ação policial. Mesmo absolvidos da acusação de tortura, os militares acabaram condenados a 4 anos e 6 meses de prisão por prevaricação (retardar, deixar de praticar ou praticar indevidamente obrigação de servidor) e falsidade ideológica.

Tudo aconteceu no dia 7 de janeiro de 2014, seis dias depois de o irmão do então “Cabo Lemes” registrar boletim de ocorrência do furto de uma motocicleta. O adolescente era o suspeito de cometer este e outro crime semelhante, com a ajuda de comparsas.

Naquele dia, Lemes, Fonseca e o então soldado Daniel Caldeira de Oliveira saíram pela cidade à caça do suspeito. O cabo estava de folga e alegou, no registro da ocorrência, que foi solicitado pelos colegas após denúncia anônima feita à PM (Polícia Militar) da cidade.

Quando os policiais chegaram a casa onde o adolescente estava com o irmão e outros jovens, a vítima fugiu pulando o muro dos fundos e se embrenhou em uma lavoura. Ainda no registro oficial, os policiais relataram que o rapaz correu por cerca de 3 km, passando por cercas de arame farpado e eletrificadas, até cair de exaustão. Neste momento, ele já não conseguia parar em pé e pedia água.

Conforme o relato dos militares, o adolescente foi colocado em viatura, levado para delegacia e deixado em cela. Eles teriam voltado ao local da ocorrência para prender os outros suspeitos. Foi quando, segundo o boletim, o garoto passou mal e foi levado a hospital.

Daniel Fonseca era soldado à época (Foto: Reprodução)
Daniel Fonseca era soldado à época (Foto: Reprodução)

Investigação - O adolescente, contudo, de acordo com o registro em prontuário médico, chegou ao Hospital Sagrado Coração de Jesus sem sinais vitais, pálido, com o corpo e vestes molhadas, frio, com as pupilas dilatadas, sinais de ingurgitação (quando alguém engole muita água) e abdômen distendido.

A causa da morte foi hemorragia interna e choque hipovolêmico. O médico legisla também registrou que a vítima tinha muitos hematomas pelo corpo, um olho roxo, escoriações de arrasto na região glútea e rupturas no baço.

Até o dia 11 de janeiro de 2014, o caso era investigado em Inquérito Policial Militar com base no relato oficial, mas denúncia anônima de tortura foi feita ao Disque 100 (Direitos Humanos). Dentre as testemunhas ouvidas na investigação, o irmão do garoto contou ter chegado à delegacia e visto a vítima já morta no chão da cozinha com a roupa cheia de carrapichos. Narrou ainda que havia sangue e fezes na cela onde foi colocado, dizendo suspeitar que fossem do irmão mais novo.

No dia seguinte, o primeiro parecer do inquérito policial militar dizia inexistir “indícios de crime de natureza comum ou militar, tampouco transgressão da disciplina policial militar” praticados por Fonseca, mas que havia suspeita de “crime militar” por parte do cabo Lemes e soldado Caldeira.

Mesmo assim, os militares foram presos preventivamente. Mais tarde, a defesa conseguiu o relaxamento da prisão.

Vai e vem - O MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) levou o caso para a Justiça em setembro daquele ano e, depois, a própria Promotoria deu parecer pela absolvição dos acusados pelo crime de tortura, por falta de provas.

Em outro processo, foram mantidas as acusações de prevaricação e falsidade ideológica. Segundo o MP, os militares estiveram na delegacia de Anaurilândia atrás de boletins de ocorrência de furto antes de saírem em busca do suspeito. Essa informação foi omitida no primeiro registro policial, já que os PMs disseram ter agido após denúncia anônima.

Em 2015, o trio foi absolvido pelo juiz da Auditoria Militar, o Ministério Público recorreu e o TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) os condenou. Alegando não haver provas “incontestáveis e cristalinas”, “de forma que não permita restar no espírito do julgado a mínima dúvida”, a defesa dos policiais foi até o STF (Supremo Tribunal Federal), mas as sentenças para Lemes e Fonseca foram mantidas. Caldeira ainda recorre.

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