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Saia, Fumante e ‘Véio’, os codinomes de PRFs pagos pela máfia do cigarro

Campo Grande News teve acesso às escutas mostrando membros da quadrilha falando sobre policiais rodoviários federais presos em setembro; todos trabalhavam na BR-267

Helio de Freitas, de Dourados | 17/01/2019 17:01
Um dos presos na Operação Nepsis, em setembro de 2018 (Foto: Adilson Domingos)
Um dos presos na Operação Nepsis, em setembro de 2018 (Foto: Adilson Domingos)

Quase quatro meses após a prisão de 26 pessoas na Operação Nepsis, no dia 20 de setembro de 2018, os detalhes da investigação sobre a máfia do cigarro que age na fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai continuam sob sigilo da justiça.

Até agora, “vazaram” apenas trechos da denúncia do MPF (Ministério Público Federal) e da decisão judicial que determinou a prisão dos acusados.

A quadrilha comandada por quatro “patrões” do contrabando de cigarro tinha apoio de policiais civis, policiais militares e de policiais rodoviários federais, chamados pelos membros da quadrilha por codinomes engraçados, como “Saia”, “Fumante” e “Véio”.

Nesta quinta-feira (17), o Campo Grande News teve acesso a mais um trecho da investigação, detalhando a atuação de seis policiais rodoviários federais, cooptados pela quadrilha para facilitar a passagem das cargas de cigarro paraguaio.

Eles trabalhavam na BR-267, no trecho entre o distrito de Casa Verde em Nova Andradina e Bataguassu. A estrada é a principal rota do contrabando que sai do Paraguai com destino a São Paulo.

Escutas telefônicas feitas pela PF durante as investigações mostram gerentes, motoristas e olheiros da quadrilha falando sobre os policiais do esquema. Os bandidos escolhiam o dia em que os PRFs corruptos estavam de serviço para mandar os carregamentos.

Os seis policiais – Flávia Kenia Carvalho Miranda, Hercules Washington Alves de Moraes Godinho, Marcelo Guilherme Valera, Waldemir Menezes Dantas, Marcio da Silva Martins e Valdeci Thomazini foram presos temporariamente, ao contrário dos demais investigados, que estão até agora atrás das grades, inclusive três chefes da quadrilha.

Conforme a denúncia do MPF, os policiais rodoviários federais atuavam para facilitar a passagem de cargas de cigarros, se omitindo na fiscalização ou atuando no repasse de informações para a quadrilha e na liberação de carregamentos mediante recompensa em dinheiro.

Codinomes – Flávia Miranda era a “Saia”. Ela foi citada em conversas de membros da quadrilha identificados como Fábio Garcete, “Fiotão” e “Meio Quilo”. Em um dos diálogos, eles reclamam de uma apreensão de cigarro que teria sido feita com a participação de Flávia mesmo com o acerto existente entre a quadrilha e a policial rodoviária federal.

Uma das datas citadas nas conversas em relação à Flávia Miranda foi 16 de fevereiro de 2017. Durante as investigações, a PF descobriu que apenas uma PRF mulher estava de serviço naquele dia: Flávia Kenia, a “Saia”.

O PRF Hercules Washington era o “Gordinho”. Era a ele que membros da quadrilha recorriam para aprofundar as informações sobre a ação policial na estrada.

Diálogo entre Elcio Alves da Costa e o gerente da quadrilha José Carlos Guimarães Bellerini – irmão de um dos chefes do bando, Ângelo Guimarães Bellerini, o Alemão – mostra que Hercules tinha papel de destaque na organização criminosa.

Na conversa, ocorrida no dia 19 de fevereiro de 2018, Hercules é citado como “muito importante” para os interesses da quadrilha. “Bagaceira já passou, já. Falei com o Gordinho aqui e ele falou que está de boa”, disse Diogo Machado Leite, o Melancia, um dos gerentes da quadrilha, em diálogo com outro bandido não identificado.

Marcelo Varela, o “Xuxa”, também atuava em defesa dos interesses dos contrabandistas. Em conversa no dia 28 de março de 2017, gravada pela PF, Elcio Costa e José Carlos Ballerini falam do envolvimento de Varela.

Após receber de Ballerini a missão de ajeitar a passagem de caminhões da quadrilha parados em Casa Verde, Elcio disse que entraria em contato com Xuxa para resolver o fato.

O PRF Waldemir Dantas tinha o codinome de “Bugre”. No dia 21 de fevereiro de 2017, ele e Marcelo Varela estavam de serviço no posto da PRF em Casa Verde.

Elcio e Fábio Garcete conversam sobre o envio de uma carga de cigarro e o primeiro avisa que naquele dia todos os policiais de serviço pertenciam ao esquema. A escala de serviço mostrou que os dois estavam de fato no posto naquela data.

Citado em outros diálogos de membros da quadrilha, Waldemir Dantas, além de Flávia Kenia e o PRF Adenilton Ferreira da Silva, já tinha sido relatado em denúncia anônima como facilitador do contrabando de cigarro. Adenilton não aparece como denunciado na Operação Nepsis.

Fumante – O PRF Marcio Silva Martins foi um dos últimos a ser cooptado pela máfia do cigarro. Com codinome “Fumante”, ele surgiu nas gravações em 28 de março de 2017, quando Luiz Carlos Ballerini pergunta a Elcio Costa se Fumante aceitou a proposta. “O Fumante pegou?”, questiona Ballerini. “Pegou”, responde Elcio.

Marcio Martins é citado em outra conversa dos cigarreiros Melancia e Quati. “Quem é no carro hoje? Ele [outro membro da quadrilha] falou que é bom [faz parte do esquema], mas quero saber quem é”, questiona Quati. “É o Xuxa [Marcelo Varela] e o tal do Marcio. Ele é bom, o Irmão falou”, respondeu Melancia, indicando que José Carlos Ballerini já tinha acertado o pagamento de propina para Marcio Martins.

O PRF Valdeci Thomazini é citado nas conversas da máfia do cigarro como “Véio”, mais um policial favorável aos interesses do grupo criminoso.

Em 29 de março de 2017, Elcio e Irmão conversam sobre os policiais de serviço no posto de Casa Verde. Elcio afirma que já tinha mandado mensagem para o Xuxa para saber quem estava no trecho. “Tá o mecânico, o Véio e um ruim [que não aceita propina]”, responde Elcio para o gerente da quadrilha.

A investigação explica que Thomazini é chamado de “Véio” porque tem atualmente 51 anos – idade relativamente avançada para um policial – e possui aparência de ser uma pessoa mais velha. Quando foi candidato a vereador em Bataguassu em 2012, o PRF usou o apelido “Vô Thomazini”.

“Tudo bão” – De acordo com os documentos do caso, no dia 9 de junho de 2017, membros da quadrilha se preparavam para passar por casa Verde com caminhões e vans lotados de cigarro, mas se assustaram quando souberam que Thomazini estava de plantão.

Entretanto, logo depois, uma mensagem de Luiz Carlos Ballerini acalmou os ânimos: “o irmão falou que esses dois que tá aí é bão [Thomazini e outro PRF]. Ele falou pra mandar tudo, é 100%”, disse um dos olheiros da quadrilha em conversa com Melancia.

Segundo a PF, a escala mostrou que os dois policiais de serviço naquele dia eram Valdeci Thomazini e Marcio Martins. O Campo Grande News apurou que os seis PRFs estão afastados das funções.

A reportagem procurou a Superintendência da PRF para saber a situação funcional dos policiais. A assessoria de comunicação informou que aguarda um parecer da Corregedoria.

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