Tribunal transfere para SP julgamento de índios que mataram policiais em 2006
Defesa alegou que sociedade de MS é “impregnada de preconceitos” contra índios, revoltou assistente da acusação, mas ganhou apoio do MPF e convenceu desembargador do TRF
Cinco índios acusados de assassinarem dois policiais civis e deixarem um terceiro gravemente ferido há uma década em Mato Grosso do Sul serão julgados em São Paulo e não mais em Dourados, onde os crimes ocorreram, em 1º de abril de 2006.
A decisão foi tomada por unanimidade pela 11ª Turma do TRF (Tribunal Regional Federal) da 3ª Região, que seguiu o parecer da relatora, desembargadora Cecilia Mello. Com a decisão, o julgamento da ação penal em trâmite na 1ª Vara Federal de Dourados será feito na Seção Judiciária da capital paulista.
O cacique Carlito de Oliveira e os índios Ezequiel Valensuela, Jair Aquino Fernandes, Lindomar Brites de Oliveira e Paulino Lopes são réus pela morte dos agentes Ronilson Magalhães Bartie, na época com 36 anos, e Rodrigo Lorenzatto, 26. Emerson José Gadani foi ferido a golpes de faca, mas sobreviveu e atualmente, aos 43 anos, está aposentado.
Outros quatro índios do mesmo grupo foram denunciados pelos crimes, mas a acusação contra eles foi desmembrada em outro processo, que está em fase mais atrasada porque os acusados responderam à ação penal em liberdade.
A transferência para São Paulo foi solicitada pela defesa dos índios e recebeu apoio do MPF (Ministério Público Federal), que no processo atua como acusador.
Preconceito – Em fevereiro de 2015, o procurador da República Manoel de Souza Mendes Junior se manifestou favorável ao desaforamento alegando que a população de Mato Grosso do Sul está “impregnada de preconceitos” por causa das disputas entre fazendeiros e índios.
O parecer revoltou o advogado Maurício Rasslan, contratado pelas famílias das vítimas para atuar como assistente da acusação. Ele criticou o laudo de um perito do MPF, que embasou o parecer do procurador e chamou o trabalho de “fajuto”.
Rassslan questionou a posição do Ministério Público através de recurso contra a transferência do julgamento para São Paulo, mas o TRF acatou os argumentos da defesa.
Anormalidade – “É fato notório que o conflito indígena da região do Estado do Mato Grosso do Sul, que já resultou em inúmeras vítimas, evidencia uma situação de clara anormalidade, muito bem capaz de comprometer o interesse da ordem pública ou de afetar a imparcialidade do conselho de sentença”, afirmou Cecilia Mello.
Para a desembargadora federal, a tensão atual, comprovada por matérias jornalísticas nacionais e internacionais, se agravou com confrontos recentes entre índios e ruralistas, ocorridos em agosto do ano passado em Antonio João e junho deste ano, em Caarapó.
A relatora citou também o caso em que empregados de fazendeiros foram julgados em São Paulo pelo ataque a índios no município de Juti, em 2003, quando o cacique Marcos Verón foi morto.
“Faz-se necessária a mesma medida, vez que os indígenas, são réus, e as vítimas, policiais civis. O conflito pulsante entre índios e não índios em Mato Grosso do Sul, acirrado pelos fundamentos étnicos, históricos, culturais e econômicos de ambos os lados, permite e muito bem justifica que o julgamento seja desaforado para Foro não contíguo, onde poderão ser asseguradas todas as garantias necessárias para desejada intangibilidade do julgamento”, afirmou a desembargadora.
Chacina de Porto Cambira – O ataque dos índios aos policiais teve grande repercussão na época. A Polícia Civil alegou na época que os agentes estavam à procura de um homem acusado de matar um pastor evangélico em Dourados dias antes e que teria se escondido no acampamento dos índios.
Já o grupo liderado por Carlito Oliveira afirmou na época que os policiais foram ao local para ameaçá-los, já que estavam em uma área invadida. Os três policiais foram espancados, esfaqueados e feridos a tiros disparados de suas próprias armas.