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Interior

Turismo, produção, investimentos e hidrovia morrem com a seca de rio

Rio Paraná está cerca de 10 metros mais baixo do que o esperado para essa época

Priscilla Peres, enviada a Aparecida do Taboado | 02/02/2015 08:00
Rio Paraná e seus afluentes baixaram cerca de 10 metros no último ano e prejudicam produção local. (Foto: Alcides Neto)
Rio Paraná e seus afluentes baixaram cerca de 10 metros no último ano e prejudicam produção local. (Foto: Alcides Neto)

Em Mato Grosso do Sul, a 481 quilômetros de Campo Grande, na divisa com São Paulo, um município vive dias de tristeza, retrocesso e prejuízo devido a falta de água. Os rios de Aparecida do Taboado não resistiram à escassez de chuva e de investimentos e estão morrendo, levando junto a cidade “dos 60 dias apaixonados”.

Os prejuízos são incalculáveis, mas é certo que as consequências vão atingir todo o Estado. A piscicultura, até então responsável por 10% da produção estadual, está com os dias contados. “A única coisa que eu sei é que não posso ficar mais nem 30 dias aqui”, afirma o engenheiro agrônomo e piscicultor Dartagnan Ramos Queiroz, proprietário da Aguarauga.

Ele, que produzia 150 toneladas de pescado por mês para abastecer dois frigoríficos de São Paulo, teve um terço de sua capacidade reduzida e agora o baixo nível do córrego Brejo Cumprido, braço do rio Paraná, está impossibilitando o manejo dos peixes que escapam ou morrem antes de ser tirados da água.

Com a queda no nível do córrego, árvores que ficaram submersas por 42 anos voltaram a aparecer. (Foto: Alcides Neto)
Com a queda no nível do córrego, árvores que ficaram submersas por 42 anos voltaram a aparecer. (Foto: Alcides Neto)

Assustador - A visão da propriedade que antes jorrava fartura agora é similar a do sertão nordestino. As árvores que foram encobertas pela água há 42 anos quando o rio foi represado, agora aparecem a flor da água, formando um cenário de seca e de perigo para a produção. “Tivemos que movimentar os 220 tanques à procura de partes mais fundas do rio, mas os galhos rasgam as redes e os peixes escapam. Além disso, não consigo mais trazer os tanques para perto da base e com isso o manejo não está mais sendo feito”, diz.

Dartagnan emprega atualmente 22 funcionários e teme o futuro. “Sinceramente, eu não sei o que vai acontecer. É uma decisão difícil. Estou tendo prejuízo mês a mês e agora nem consigo mais produzir”, afirma o piscicultor que só de despesas gasta R$ 500 mil por mês. Ele afirma que, em um ano, o rio baixou 10 metros e não atribui a situação apenas à falta de chuva.

“Foi uma série de erros. Falta de gestão dos órgãos competentes aliada ao aumento da demanda por água e energia, além da falta de chuva que agravou ainda mais a situação”, destaca o agrônomo que diz não ter tido nenhum tipo de respaldo do poder público. “O governo federal e a própria Cesp podiam prever que iríamos enfrentam um problema assim e ao menos avisar para que os produtores se preparassem”.

Investimento de R$ 18 milhões iria gerar 400 empregos, mas foi interrompido com a seca. (Foto: Alcides Neto)
Investimento de R$ 18 milhões iria gerar 400 empregos, mas foi interrompido com a seca. (Foto: Alcides Neto)

Reflexos – Em conseqüência da redução da produção de pescado e da falta de água um frigorífico de peixes que estava sendo construído no município parou. A obra entrava em fase final, após R$ 18 milhões de investimentos, mas foi interrompida no fim do ano passado. O empreendimento iria gerar 416 empregos diretos.

Para o diretor de Turismo e Meio Ambiente de Aparecida do Taboado, Jary Augusto Silva, a cidade tem o 4º maior pólo industrial do Estado, mas grande parte da produção está comprometida com a seca. Gado, leite, peixes e cana-de-açúcar não devem resistir muito tempo, o que vai resultar na redução das atividaddes das indústrias do município, que empregam 3 mil funcionários.

Setor produtivo – Não só a piscicultura está sofrendo com a falta de água; a produção de gado, leite e grãos também. O presidente do Sindicato Rural do município, Eduardo Antônio Sanchez, explica que há dois anos vem sendo feito um projeto de soja irrigada em parceria com a Fundação Chapadão, mas esse ano terá que ser interrompido. “A pesquisa estava dando muito certo. Estávamos tendo resultados ótimos, mas vamos ter que parar. Nunca imaginamos que iria acabar a água”.

Além disso, sem chuva, os pastos não crescem e o período de seca, quando o produtor precisa complementar o alimento do gado com ração e sal, que antes acontecia em agosto, agora deve chegar em fevereiro. “O pasto está baixo e aumentar a quantia de ração impacta em mais gastos com a produção e menos lucro. Isso onera o produtor”, explica Eduardo.

Balneários e quiosques antes lotados por turistas, estão abandonados. (Foto: Alcides Neto)
Balneários e quiosques antes lotados por turistas, estão abandonados. (Foto: Alcides Neto)

Turismo – O turismo de Aparecida do Taboado morreu. A cidade que antes recebia centenas de turistas nos fins de semana, devido as praias que se formaram na beira do rio Paraná, agora tem apenas grandes bancos de areia. Pelo menos quatro restaurantes e pousadas tiveram que fechar as portas e hoje restam apenas cadeados e abandono.

Pedro Rodrigues Junior, 54, é proprietário do balneário Portal das Águas e em um ano viu seu patrimônio e fonte de renda se transformar em uma grande estrutura abandonada. Preocupado, ele olha para os bancos de areia e afirma que o que resta é a esperança. “O rio foi baixando, as pessoas pararam de vir e tudo isso foi ficando vazio. Ninguém mais quer vir aqui, não tem água”, diz.

Sem a hidrovia, produção precisa ser escoada via terrestre, sobrecarregando as rodovias. (Foto: Alcides Neto)
Sem a hidrovia, produção precisa ser escoada via terrestre, sobrecarregando as rodovias. (Foto: Alcides Neto)

Hidrovia – Com a navegação pela hidrovia parada há oito meses devido ao baixo volume de água no rio, Aparecida do Taboado virou rota principal de caminhoneiros que precisam levar ou trazer carga de São Paulo. O fluxo de caminhões mais que dobrou, sobrecarregando a rodovia.

“Esse asfalto da BR-158 era um desejo antigo da população e foi inaugurado no fim do ano passado, mas acho que não dura seis meses. Sem a hidrovia, a nossa rodovia está sobrecarregada e logo vai começar a aparecer buracos e problemas”, afirma o diretor de Turismo da prefeitura, Jary Augusto.

Fé – Na cidade abençoada pela padroeira do Brasil, Nossa Senhora de Aparecida, o que resta aos moradores afetados pela seca é ter fé. Dartagnan, Eduardo, Jary e Pedro afirmam que “o jeito é rezar e pedir pra Deus trazer chuva para nós”. Em vários cantos da cidade, o que se ouve é a crença em Deus, em quem os moradores atribuem a “missão” de fazer a água voltar.

O que resta aos moradores da cidade abençoada por Nossa Senhora Aparecida, é rezar para que chova. (Foto: Alcides Neto)
O que resta aos moradores da cidade abençoada por Nossa Senhora Aparecida, é rezar para que chova. (Foto: Alcides Neto)
Em baixo da ponte é possível ver as marcas que a água deixou nas pilastras. (Foto: Alcides Neto)
Em baixo da ponte é possível ver as marcas que a água deixou nas pilastras. (Foto: Alcides Neto)

Confira a galeria de imagens:

  • Na ponte Rodoferroviária, sobre o  Rio Paraná, a água deixou marcas que certificam o quão o nível baixou.
  • Com nível do rio 10 metros mais baixo, piscicultura fica comprometida.
  • Dartagnan, produtor de pescado, afirma que não pode ficar em sua propriedade nem mais um mês.
  • Ponte sobre o córrego Quitéria, no km 153 na BR-158, a paisagem é de seca.
  • Quatro balneários e restaurantes na beira do rio Paraná fecharam às portar e estrutura está abandonada.
  • Proprietário de um dos balneários que fecharam por conta da seca, Pedro diz que não sabe o que fazer.
  • No córrego Pântano, na BR-158, a água também deixou marcas nas pilastras.
  • Próximo aos rios, podem ser vistos animais mortos.
  • Galhos escondidos dentro dos rios agora aparecem a flor da água.
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