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Cidades

Membros do Judiciário veem críticas a auxílios como retaliação e reagem

Na esteira de paralisação de juízes federais que veem “perseguição” decorrente de condenações, magistrado do TJMS descarta adesão a protesto neste momento e pede que discussão sobre ganhos na carreira envolva isenção e independência e de magistratura

Humberto Marques e Kleber Clajus | 05/03/2018 09:07
O presidente da Amamsul, Fernando Cury (Foto: Divulgação)
O presidente da Amamsul, Fernando Cury (Foto: Divulgação)

O pagamento de auxílios a juízes e desembargadores no país colocou os integrantes do Poder Judiciário na mira de setores da opinião pública, que contestam a destinação de ajudas financeiras a servidores cujos rendimentos estão bem acima da média brasileira. Em resposta, as categorias colocadas sob pressão prometem se manifestar contra ações que, na sua avaliação, visam a enfraquecer o Judiciário. Ao mesmo tempo, outros representantes da Justiça admitem discutir o tema, desde que dentro de um amplo debate que abranja desde o tipo de magistrado que a população quer até os riscos de se fragilizar um poder que lida com grandes interesses.

Protesto marcado para 15 de março, envolvendo juízes federais e do trabalho, promete ser o novo capítulo dessa discussão, que ocorre diante do iminente julgamento, no STF (Supremo Tribunal Federal), sobre a legalidade do auxílio-moradia, correspondente a R$ 4,7 mil mensais, ou 20% do subsídio de um magistrado.

Nacionalmente, a categoria também tem direito a ajudas de custo de 5%, cada, para alimentação e transporte, este último discutido em Mato Grosso do Sul, onde a Assembleia Legislativa, em comum acordo com o presidente do TJMS (Tribunal de Justiça do Estado), o desembargador Divoncir Maran, adiou a discussão sobre a ajuda de custo.

O tribunal dispensou em janeiro deste ano cerca de R$ 1,2 milhão para o custeio de auxílios aos 215 juízes e desembargadores em atividade, segundo dados do portal da transparência da Corte. Na Justiça Federal de Mato Grosso do Sul, com menos magistrados (são 30, entre juízes federais e substitutos), o valor chegou a quase R$ 94 mil no mesmo mês, também conforme informações veiculadas na internet.

Amplo debate – A magistratura estadual optou por seguir orientação da AMB (Associação dos Magistrados do Brasil) e não realizar, neste momento, nenhum protesto do Judiciário estadual por conta das movimentações sobre os auxílios. A decisão, conforme o presidente da Amamsul (Associação dos Magistrados de Mato Grosso do Sul), o juiz Fernando Chemin Cury, deve-se à disposição de se discutir abertamente o tema, mas de forma ampla.

“Estamos nessa discussão hoje porque a partir de 2005, quando se instalou o subsídio como única forma de remuneração da magistratura, esperava-se que o Estado cumprisse o que determina a Constituição: que haja recomposição do índice inflacionário não só do juiz, mas de todos os servidores”, declarou o juiz, apontando perda de 43% no poder aquisitivo no período.

Cury também afirma que o debate precisa considerar o tipo de juiz que a sociedade quer. “Se um exclusivamente dedicado à magistratura, que não pode fazer nada além, exceto ser professor, com uma carga de trabalho humanamente impossível, que chega a 14 horas por dia, além de plantões e de serviço levado para casa; ou um juiz com atividade paralela, que vá ao fórum por meio período e possa abrir uma loja, exercer atividade empresarial”, disse.

O debate, prosseguiu o presidente da Amamsul, deve manter o foco sobre a importância de o juiz ser isento. “Julgamos interesses de pessoas poderosas, econômica e politicamente, causas de milhões de reais, de família. Questões que exigem firmeza. Por isso deve haver uma boa remuneração. Os auxílios são questões menores dentro do debate macro sobre valorização da magistratura”.

Tratamento – O juiz Fernando Cury ainda lembrou que, enquanto juízes estaduais são questionados por conta do pedido de auxílio-transporte, não houve mobilização semelhante quando tais benefícios foram instituídos para a Defensoria Pública, Procuradoria-Geral do Estado e Ministério Público de Mato Grosso do Sul. “A magistratura em Mato Grosso do Sul é a carreira jurídica com mais trabalho, mais responsabilidades e menor remuneração”.

Por outro lado, graças a um “encastelamento” da magistratura no passado, o juiz reconhece que há uma imagem de que juízes e desembargadores são inatingíveis, o que não é correto. “Somos culpados nisso”, assertiu. “É algo que precisa ser superado”.

Ele também reage quanto a possibilidade de se criar uma imagem intocável dos magistrados –que passa, por exemplo, por uma suposta blindagem corporativa. Cury afirma que há magistrados sob investigação, inclusive com denunciados e, inclusive, condenações.

Cury concordou com apontamentos da Ajufe (Associação dos Juízes Federais) que há uma “ação orquestrada” por alguns agentes públicos ou mesmo setores da imprensa, decorrentes de condenações em casos de corrupção, e não descartou que, no futuro, a opção adotada pela entidade seja seguida. Mas reiterou que o debate precisa ir além do quanto ganha um juiz.

“O problema do Brasil não é o salário do ministro do STF, é muito maior. Somos a favor de que outras carreiras, de que o trabalhador, seja valorizado. Se não fosse a corrupção endêmica e isenções fiscais como temos no país, isso seria diferente”, destacou. “O problema é você não dar ao trabalhador que ganha salário mínimo a valorização que merece”.

Ajufe – Presidente da Ajufe no Estado, a juíza federal Monique Marchioli Leite foi procurada, porém, disse que não faria comentários sobre o protesto dos juízes federais e do trabalho –o qual disse ser seguido no Estado, repassando à entidade responsabilidade sobre comentar o episódio.

Em nota, a Ajufe informou que 81% dos juízes e desembargadores associados aprovaram o movimento como resultado da “indignação contra o tratamento dispensado à Justiça Federal”. A entidade cita que o combate à corrupção resultou na prisão de “várias pessoas poderosas” e, com isso, a forma encontrada de punir a Justiça Federal foi atacar a remuneração dos juízes.

“Primeiro e de forma deliberada, quando não se aprovou a recomposição do subsídio, direito previsto na Constituição Federal, cuja perda já atinge 40% do seu valor real; segundo, quando foi acelerada a tramitação do projeto de alteração da lei de abuso de autoridade, em total desvirtuamento das 10 medidas contra a corrupção, projeto esse de iniciativa popular”, cita a nota, colocando o auxílio moradia como último alvo dos críticos.

“Esse mesmo benefício é pago em dinheiro ou através de concessão de moradia funcional a membros dos três Poderes da República, agentes políticos, oficiais das Forças Armadas, oficiais das Polícias Militares, servidores públicos, dentre tantas outras carreiras da União, dos Estados e dos Municípios, tudo dentro da mais estrita normalidade e sem nenhuma reclamação”, prossegue a nota, apontando que, “de maneira seletiva, somente a magistratura é alvo de questionamento e de ataques injustos e levianos”. A nota reforça que o benefício existe há 40 anos.

O presidente da Amamsul avaliou, por fim que o debate, nas condições com as quais é conduzido, pode resultar no enfraquecimento do próprio país. “É importante que tenhamos um Poder Judiciário forte, não simplesmente discutir um salário. O Judiciário fragilizado traz efeitos nefastos para a manutenção da democracia”.

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