A arte do bom envelhecimento
No momento não há mágica, viveremos entre 74 e 76 anos. As gerações de nossos netos ultrapassarão a casa dos cem anos, mas nós não pertencemos a essa geração tão afortunada. Há um fato corriqueiro no processo de envelhecimento: não nos preparamos para ele. As pessoas sabem que passarão por adversidades na velhice, mas não se preparam. Ou, quando muito, tomamos providências superficiais. E o que é ainda mais dramático, quem tem 60 anos quer viver como se tivesse 30 anos, em busca da juventude perdida.
Torcemos para chegar rapidamente no fim de semana. Torcemos pelas férias. Torcemos pela aposentadoria. Em verdade, estamos torcendo pela morte. Não vivemos plenamente. Nossas escolhas do que fazer com o tempo é um problema individual, é somente nosso e via de regra, fazemos más escolhas. Não dividimos bem nosso tempo entre trabalho e ócio.
Envelhecer demanda coragem. Só envelhece bem quem tem coragem. Não sabemos usufruir do tempo que dispomos, ainda que seja curto.
A mais longa pesquisa científica, vem desde a década de 1930, está sendo feita por Harvard. Os jovens que entraram, e ainda entram nas faculdades de Harvard, passam por uma longa bateria e testes físicos, mentais, e espirituais. O outro grupo acompanhado por Harvard, é composto por jovens da periferia de Boston (onde fica a universidade). Os dados mostram que só teve uma vida plena, a história de sucesso do envelhecimento, é marcada por boas relações. Só quem oferece e recebe afeto tem um envelhecimento com sucesso.
Há uma estatística válida para o Brasil e para os demais países que é quase desconhecida: somente uma em cada dez pessoas terá morte súbita. Todos os demais 90% darão trabalho para morrer. É isto, nove em dez pessoas terão morte anunciada. Vamos adoecer gravemente. Mas não estamos preparados para ele. Torna-se um drama quando a doença grave chega.
Autonomia e independência no envelhecimento.
Autonomia na velhice é: "eu quero ir ao banheiro", para utilizar um dos mais significativos exemplos. Independência é: "eu vou ao banheiro". Quando adoecemos, nos mandam fazer nossas necessidades na fralda. Usar fralda é uma experiência cruel, porém necessária, para a qual não estamos minimamente preparados. Nem mesmo pensamos nesse dia que chegará (a alternativa é a morte). Só no "momento fralda" descobrimos a perda da autonomia e da independência. É desafiador. O grande desafio é nos prepararmos para dar trabalho para aqueles que só desejamos as facilidades da vida.
Deixaremos de andar, de falar e até de engolir a comida e líquidos. É importante repetir: daremos trabalho para os outros. Seremos uma "mala com rodinhas", mais fáceis de ser cuidados, ou uma "mala sem alça". Também se lembre que construímos boas ou más relações com nossos familiares e amigos. É comum observarmos nas clínicas de idosos, nos asilos e nos hospitais, velhinhos que não recebem visitas. Lembre-se que há uma história por trás desse "abandono" sentimental, ainda que tenham todos os cuidados médicos. Corpo cuidado, sentimentos abandonados.
O que fazer para bem "habitar" nosso corpo até o fim?
O que é mais confortável, menos doloroso no processo de envelhecimento? Em verdade, todos sabem as respostas. A primeira coisa é comer bem. Nossa matéria prima é a comida. Hipócrates há muitos séculos, já dizia: "a comida é teu remédio e teu melhor remédio são os alimentos". A cura de qualquer adversidade se dá com boa alimentação. Reconstruir tecidos é uma tarefa difícil para nosso corpo. Se não dermos boas moléculas para essa reconstrução, os tecidos não serão bem moldados. Se não houver boa alimentação, na melhor hipótese os tecidos levarão muito tempo para ser bem reconstruídos.
Temos de nos lembrar sempre que temos quatro membros. Temos braços e pernas para nos relacionar com o mundo. Precisamos, portanto, de atividade física. Quanto teu coração não der conta de enfrentar uma embolia, lembre-se que você não deu condições, treinamento, para ele trabalhar mais quando for vital.
Veja bem, as decisões que tomamos quanto à alimentação e os exercícios não são para viver para sempre. Morreremos. A diferença se dá em melhores condições de ir embora.
Como viver os últimos meses de vida?
Há mágoa nos últimos meses de vida. É inevitável. Mais difícil, muitos tratamentos nesses últimos dias são tóxicos e dolorosos, nos deprimem e oprimem. E ainda mais difícil, morrer no Brasil é muito mais complicado que em muitos países. Não há acompanhamento para a morte.
Outra informação que raramente aparece. Após os 85 anos, passaremos por um par ou impar. O "prêmio" para quem vencer o par ou ímpar é não ter Alzheimer. Não há cura para o Alzheimer. Mas há como driblar essa doença cerebral. Com intenso treinamento do cérebro desde os 50 anos. Só com muito aprendizado conseguiremos driblar o Alzheimer de uma maneira que, talvez, nem mesmo nossos entes mais próximos percebam a chegada dessa doença.
Não vale fazer crochê. Mas vale aprender vários pontos novos a cada dia. Não vale tocar ou cantar as músicas de sempre. Vale aprender muitos instrumentos e novas músicas. Através da música, nosso cérebro fica "online" novamente. Os especialistas dizem que é a melhor alternativa. Força, vá tocar violão, pandeiro ou caixinha de fósforo. Outra dica é meditar. Pode ser "chato", mas dá bom treinamento para o cérebro. A serenidade é fundamental para o bom envelhecimento, que também pode ser adquirida pelos tratamentos com psicólogos ou psiquiatras.
Nada menos de 40% dos brasileiros pensam em estar em paz com Deus no último dia, diz a pesquisa. Mas, qual é o sentido de tua vida? Para que vivo? Se você ainda não sabe a resposta, é importante procurar por seu eixo espiritual. É possível passarmos para uma dimensão que nossa espiritualidade nos conforte. A morte é um dia que vale a pena viver. Estamos "diplomados" na vida. Cumprimos nossa missão, seja qual for. A espiritualidade nos dá eixo. Lembre-se, espiritualidade nem sempre está ligada às religiões, ainda que elas favoreçam esse estado, você pode ser ateu e ter uma espiritualidade elevada.