A reforma trabalhista de Lula entre socialismo e capitalismo
O filme soviético mais popular da história se chama "A ironia do destino", dirigido por Eldar Riazanov em 1975. Conta a história de Zhenia, um jovem que, por uma confusão muito divertida, viaja bêbado de avião de Moscou para São Petersburgo. Inconsciente desse deslocamento, ao chegar em São Petersburgo, dá o endereço de sua casa em Moscou ao taxista, que o leva. Zhenia reconhece imediatamente o edifício, o elevador, a porta do apartamento e, uma vez dentro, seus móveis e sua manta.
Tudo, absolutamente tudo, igual.
Não se trata de uma invencionice do diretor. É uma comédia crítica que satiriza a política habitacional de Breznev, que construiu milhares de edifícios pré-fabricados cujos elevadores e portas eram todos iguais, inclusive os móveis e mantas. Até os nomes das ruas e os números dos edifícios eram os mesmos. O filme explorava a realidade cotidiana dos soviéticos: não havia diferença alguma entre estar em Moscou ou em São Petersburgo. A única diferença é que tinha outra mulher. É um filme delicioso para chamar a atenção sobre o projeto e o fracasso do que era chamado de "socialismo real". Uma distopia superada. Chama a atenção a questão do amor, do prazer, da ética.... da sobrevivência individual na antiga União Soviética sob as condições mais adversas.
Duas realidades opostas.
Podemos pensar em um mundo em que, sigamos sempre na mesma cidade, na mesma casa, com a mesma pessoa, vestidos com a mesma roupa e pensando os mesmos pensamentos. Ou podemos conceber a distopia contrária. Um mundo em que cada dia voltamos de um trabalho diferente, em uma casa diferente, onde nos espera uma mulher diferente, em que não podemos usar duas vezes a mesma roupa, nem a mesma cama ou ter os mesmos pensamentos de ontem. A primeira foi chamada de "socialismo real". A segunda segue sendo chamada de capitalismo.
Planejamento e liberdade individual. Movimento e lentidão.
Na União Soviética, os acidentes eram considerados sabotagens. Até que Chernobyl revelou o desleixo sistemático chamado "planificação". No Ocidente, ao contrário, denominamos "liberdade individual " o combustível que conduzirá a máquina do mercado até o acidente final. Na União Soviética, as pessoas sonhavam com o movimento; no Ocidente, hoje, sonhamos com um pouco de lentidão e esse ideário, carrega algumas formas de nostalgias.
A nostalgia da reforma trabalhista de Lula.
Se fala muito de e contra a nostalgia no Brasil. Pensando bem, a reforma trabalhista proposta por Lula, copiada da Espanha, é a mais importante nostalgia. No fundo, diz que queremos sair de casa, mas queremos voltar para a mesma casa. Queremos ter trabalho, mas não 365 contratos ao ano. Muito bonito, mas inviável. Não há - e nem haverá - trabalho para todos. Nem nos moldes dos "tempos de Lula" e nem nos moldes de qualquer futuro que venhamos a ter. Os soviéticos acabaram rebelando-se contra a igualdade. Os ocidentais começam a rebelar-se contra a liberdade. Quando só podemos escolher entre a areia e o ar, é fácil errar. O socialismo real negava as diferenças. O capitalismo tecnologizado, nega a existência da liberdade. A bela nostalgia do emprego para todos contra a horripilante realidade de um emprego diferente por dia. A realidade é insuportável. O passado, nostálgico, é impossível.