É preferível ser roubado por piratas a aportar no Brasil
O primeiro ato de transgressão no Brasil está no seu "documento de identidade" que é a Carta de Pero Vaz de Caminha. Caminha escreveu ao chegar ao Brasil uma missiva rogando ao rei português D.Manoel, que dê uma mão para seu genro. Ele pede que o parente seja libertado do degredo em São Tomé por "furtos e extorsão a mão armada".
Tomé de Souza, o primeiro governador-geral do Brasil, estava liberado para praticar quaisquer tipos de transgressões. O rei D.João III, em 1548, o autorizou a fazer "dádivas a quaisquer pessoas", contanto que consolidasse o domínio lusitano em terras brasileiras.
O nascimento do abuso.
Mem de Sá, que foi governador-geral do Brasil entre 1558 e 1572, era acusado de abusar de sua posição. Traficantes de escravos que deixavam a costa africana em direção ao Rio da Prata eram obrigados a aportar no Rio de Janeiro para abastecer seus navios. Sabiam que no Rio de Janeiro acabariam coagidos a desembolsar uma determinada porcentagem de seus "bens" e entregá-lo ao governador-geral. Muitas vezes a autoridade subia a bordo e reservava para si os melhores escravizados e escravizadas.
Prefiro os piratas.
No século XVII, viajantes costumavam afirmar que era preferível ser roubado por piratas em alto-mar a aportar no Brasil, onde teriam de pagar propinas, taxas e ainda adular os governantes e grandes fazendeiros com todo tipo de presente.
É estranho descobrir que o termo "propina" nasce de uma prática benfazeja. Como Portugal só foi criar sua primeira biblioteca em 1797, criou o costume de retirar um exemplar de livro ou de jornal de cada edição para que ficasse guardado nessa biblioteca. Nada havia de ilegal. Ao contrário, a propina visava preservar a memória editorial do país atrasado. Só bem mais tarde foi criado o link com o ato de gratificar alguém de maneira incorreta.
Em Minas Gerais nasce o "santo do pau oco", o símbolo maior da "esperteza brasileira".
Em relatos de viajantes do século XVIII, um certo "jeitinho dos brasileiros" já chamava a atenção daqueles que percorriam as Minas Gerais. Narravam a surpresa da "esperteza dos brasileiros", que contrabandeavam cargas preciosas e misturavam variados tipos de pó com ouro para passar a impressão de que a produção era grande e assim conseguir maiores lucros. É desse período a expressão "santo do pau oco". O ouro surrupiado era escondido dentro de imagens de madeira de santos.
Uma terra de oportunidades... e de oportunistas.
A colonia era entendida em Portugal como uma terra de oportunidades. Afinal, no começo do Setecentos, nas Minas Gerais, com apenas um pouco de sorte era possível encontrar um bom veio de ouro e enriquecer do dia para a noite. Milhares de camponeses portugueses analfabetos ali fizeram fortuna, integraram a elite local e os mais ousados interferiram na política e na economia da capitania. Muitas lutas foram travadas pelos primeiros exploradores que enxergavam como intrusos -e oportunistas - os que chegavam recentemente de Portugal.
A sociedade sempre esteve divorciada dos governantes.
Havia um divórcio, claro, entre a sociedade e os governantes. A única atuação governamental notada, efetivamente, ocorria na hora da cobrança de impostos. De resto, a população administrava seus bens sem grande ingerência nas suas atividades e decisões. Criavam, portanto, um governo paralelo, no qual as práticas ilícitas tomavam parte fundamental no bom andamento dos negócios. De toda maneira, tais práticas continuaram e perseveraram...
O caso mais marcante do Brasil dos portugueses ocorre com a chegada de D.João, e sua tropa de nobres fugitivos e falidos. No dia em que ele desembarcou no Rio de Janeiro, em 1808, recebeu um "belo presente" de um traficante de escravos: a melhor casa da cidade, situada em um belo e vistoso terreno. "Ceder" a Quinta da Boa Vista, essa casa "doada" pelo traficante, assegurou a Elias Antônio Lopes o status de "amigo do rei", termo até hoje usado. Lopes não só viu sua fortuna aumentar rapidamente, como acumulou títulos de nobreza.