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Em Pauta

Exército no Rio de Janeiro: ou eles ou a rendição

Mário Sérgio Lorenzetto | 17/02/2018 09:01
Exército no Rio de Janeiro: ou eles ou a rendição

Seis mil tiroteios em 2017. Dezesseis trocas de tiros por dia. Dois mortos diariamente. Aumento de 28% no fogo cruzado. Só em janeiro de 2018 foram contados 317 tiroteios na capital carioca. É a falência da segurança? Ou querem mais mortes?
A esquerda está em polvorosa. Misturam, vergonhosamente, intervenção militar com ditadura militar. Eles, que tantas vezes levaram o exército para as mesmas ruas que agora retornam. Encontro de ecologistas? A esquerda levou o exército para a defesa dos estrangeiros que acorriam ao evento. Copa do Mundo? Novamente o exército foi chamado. Olimpíadas? O mesmo de sempre, a polícia não garantia a segurança, chamaram os fardados.
É bem verdade que a insegurança não tomou conta apenas do Rio de Janeiro. Está em outros Estados da Federação, está em nossas fronteiras há alguns anos. Mas o Rio de Janeiro, outrora lindo, é o símbolo, o ícone maior, do medo que se abateu em nossas cidades.
Eles, infelizmente, não se eternizarão nas ruas. Logo mais, retornarão à tranquilidade de seus quartéis. Já ficou sobejamente demonstrado que perdem o pulso, perdem o poder de comando quando soldados começam a vender armas para os bandidos. Eles também não estão treinados para oferecer um combate pacífico. Diuturnamente aprenderam a matar e não a prender ou dispersar. Não é a função que aspiram. Mas é o que nos resta. Após dezenas de anos debatendo como transformar as polícias e os presídios, verificamos que nada foi feito....e nem será. Foram apenas milhares de reuniões, milhões de reais jogados fora para muita conversa e nenhuma ação. Ou eles ou a rendição.

Exército no Rio de Janeiro: ou eles ou a rendição

Sonho jovem: jogador de futebol, sambista ou chefe do tráfico.

Só as elites não enxergam. Hoje, tudo parece ser narco. Da fascinação pelos mundos do crime organizado nascem, crescem e se multiplicam livros, séries e filmes que retratam, basicamente, essa história contemporânea. Mais que uma apócope - mania de reduzir as palavras, como "cine", para "cinema" - narco virou um prefixo. E se existem as indústrias milionárias do narcotráfico, da narcoguerra, do narcoestado, da narcocultura, como não existiria o narcofutebol? Desde há muito o esporte mais popular do mundo atrai a cara B do capitalismo como tela para obscuras atividades. E desde esse âmbito se repetem os casos de traficantes metidos a empresários futebolísticos. O caso clássico são as "pachangas" (peladas de futebol) na "Catedral" de Pablo Escobar. O rei dos narcotraficantes construiu sua própria cadeia com suítes no lugar de celas e, é claro, um campo de futebol que tinha até arquibancada para os torcedores. Mas o Rio de Janeiro não é tão diferente da Medellin de Pablo Escobar, como alguns querem fazer crer.

Exército no Rio de Janeiro: ou eles ou a rendição
Exército no Rio de Janeiro: ou eles ou a rendição

Para as elites, profissões liberais, para a periferia...

Um sábado de novembro de 2016. Uma fundação europeia tentava realizar um evento de formação esportiva no Complexo da Maré. Essa é uma das maiores e mais perigosas favelas do Rio de Janeiro. Como em outras ocasiões, havia conseguido negociar com as facções do narcotráfico. Acertaram que um dos "notáveis" da favela seria mediador. Durante algumas horas cessariam os tiroteios para que o futebol reinasse sozinho na localidade. Como ocorre em outras favelas, na luta por um território um grupo se posta nos telhados de uma rua e o rival nos telhados em frente. Se rasgam com tiros. Na Maré, essa linha de fogo, que chamam "Linha de Gaza", fica justamente ao lado do campo de futebol. Nesse dia não tiverem o tiroteio que se acostumaram. Havia sido uma semana dura no Rio de Janeiro, com quinze mortos em várias operações policiais, incluindo um helicóptero da polícia que caíra em outra favela. São cenas de uma guerra que nunca acaba. Marca o cotidiano das favelas, em que inclui o futebol, unido aos bairros humildes muito antes da chegada do narcotráfico.
No Rio e no Brasil da periferia, se perguntarem a um jovem qual o futuro que aspira, ouvirá como resposta: jogador de futebol, sambista ou chefe do tráfico. Essa são as flexíveis e dolorosas distâncias que marcam todas as nossas grandes e médias cidades. Para as elites, profissões liberais, para a periferia...

Exército no Rio de Janeiro: ou eles ou a rendição

Rio de Janeiro: Maracanã na favela.

Naquele ano jogaram o Mundial de futebol no Estádio do Maracanã. Os moradores da Maré não foram. Os preços dos ingressos converteram o mais popular esporte em um fetiche das elites. Fora do alcance dos moradores da periferia.
Na favela da Vila Aliança, ao lado do Maracanã, disputavam, durante o Mundial, um campeonato entre favelas cariocas. Quando jogavam, as partidas se convertiam em um filme surrealista: onze contra onze em campo, ao redor deles, crianças descalças e armas de grosso calibre no mesmo metro quadrado, cervejas e sacos de droga ao lado. Nas mesmas mesas de plástico do bar ao lado do campo de futebol, samba, funk e churrasco. Cada vez que uma equipe marcava um gol, trovejavam tiros de fuzil e de metralhadora desde a coberta em frente ao campo onde o chefe do narco festejava com seus amigos. Um palco presidencial "sui generis". O êxito de uma das equipes, ao fim e ao cabo, era o êxito de seu bairro, de sua favela. Não era uma casualidade, ali havia dinheiro. As equipes estavam vestidas com reluzentes uniformes de times famosos e de seleções. Cada time pagava R$1.000 e um extra para árbitros semi-profissionais. E quem ganhava levava um prêmio de R$50.000. Não era o Mundial, mas não fazia falta: tinham seu Maracanã em casa.

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