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Em Pauta

O criador do "sentimento de vira-lata" do brasileiro

Mário Sérgio Lorenzetto | 08/09/2017 06:27
O criador do "sentimento de vira-lata" do brasileiro

O Brasil não é um país sério? Quando as coisas se complicam demais no Brasil, à falta de melhores argumentos, sempre alguém acaba por rematar com a velha frase atribuída a Charles De Gaulle: "Lé Brésil n´est pas um pays sérieux". É o que acontece agora, em que assistimos à assanhada luta política, em uma novela que se arrasta há dois ou mais anos. Aparece cada vez mais recheada de episódios ora inusitados e pitorescos, ora dramáticos e rocambolescos, por vezes mesmo com dimensão de teatro de marionetes ou de saltimbancos.
Mas nem De Gaulle disse algo parecido nem repetição da "boutade" adianta muito para a compreensão das complexas realidades brasileiras.
A autoria da frase famosa pertence confessadamente a um brasileiro de nome Carlos Alves de Souza Filho. Foi embaixador do Brasil na França entre 1956 e 1964. Nada como um brasileiro para denegrir "amorosamente" seu próprio país. Mas não foi esse embaixador o criador do sentimento de vira-lata. Vem de muito antes...

O criador do "sentimento de vira-lata" do brasileiro

Buffon, o conde que denegriu as Américas.

Desde de meados do anos 1700, alguns pensadores europeus começaram a insistir na ideia de "degeneração das Américas". Todas as três Américas - do Sul, do Norte e Central - seriam regiões degeneradas. O mais importante dentre os homens que atacavam as Américas era Georges-Louis Leclerc, o conde de Buffon. Nas décadas de 1760 - 1770 escrevera que nas Américas todas as coisas "encolhem e diminuem sob um céu mesquinho e uma terra infértil". O Novo Mundo era inferior ao Velho Mundo, Buffon asseverou na obra de história natural mais lida da segunda metade daquele século. De acordo com Buffon, no Novo Mundo as plantas, os animais e as pessoas eram menores e mais fracos. Não haviam mamíferos de grande porte, tampouco povos civilizados, e, inclusive, os selvagens eram fracos.
À medida que as teorias e argumentos de Buffon se disseminaram, o mundo natural das Américas tornou-se uma metáfora de sua relevância ou insignificância cultural - dependendo do ponto de vista. Além da força econômica, façanhas e conquistas militares ou realizações científicas, a natureza também tornara-se um indicador da importância de um país ou região do mundo.
De todos os pontos das Américas choveram impropérios contra as ideias de Buffon. Os ataques mais furiosos ao conde saíram dos Estados Unidos. As Américas, pela primeira vez, unidas refutaram, ponto a ponto, os argumentos de Buffon. Não só o poderio econômico dos países entraram na batalha. Não foram tecidos apenas contra-argumentos relacionados à vastidão e riqueza dos países. Até a flora e a fauna tornaram-se os soldados de infantaria de uma batalha das Américas contra a Europa. Hoje, talvez sejam risíveis o enfileiramento de ursos, búfalos, panteras e onças para provar a pertinência da força das Américas. Até mesmo a fuinha era maior na América do que na Europa.
O único pais que não entrou nessa batalha foi o Brasil. As vozes dos portugueses e brasileiros que por aqui dominavam, não se fez ouvir. Pelo contrário, havia interesses importantes para que virássemos "inferiores por natureza". Até nossos cães se tornaram "vira-latas"- famélicos, menores e fracos. Devemos a um "bufão" do país da "igualdade, fraternidade e liberdade" o início dessa desgraçada fama.

O criador do "sentimento de vira-lata" do brasileiro

Um jantar para medir alturas.

Há um relato que mostra o quanto as Américas odiaram o complexo de vira-latas que europeus tentaram impingir. Na década de 1780, Benjamin Franklin, durante o período em que serviu como ministro dos Estados Unidos em Paris, foi a um jantar em que também estava Abbé Raynal, um dos cientistas que mais nos insultavam. Franklin notou que todos os norte-americanos estavam sentados do mesmo lado da mesa, com os franceses do lado oposto. Aproveitando a oportunidade, lançou o desafio: "Que ambos os grupos se levantem, e veremos de que lado a natureza se degenerou". Por coincidência, todos os norte americanos eram "da mais vistosa estatura", relataria um Franklin sorridente, ao passo que os franceses eram diminutos - em particular Raynal, que foi descrito por Franklin como um "mero camarão". Por dezenas de anos as Américas entraram em um "vale-tudo" com a Europa. Até chute nas partes baixas estava valendo. O Brasil não participou da contenda.

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