Trigo, fertilizantes e o futuro. A fragilidade dos alimentos
Ainda que o descalabro dos preços de combustíveis e energia deem a impressão de serem imbatíveis, a crise é muito maior no setor de alimentos. Mesmo não ocupando as principais manchetes, os preços do trigo subiram muito mais que os do petróleo. Isso causa enormes prejuízos em países pobres, ou em desenvolvimento, como o Brasil, onde a maior parte dos gastos familiares são destinados aos alimentos. Mas, o que há por trás dessa crise?
O triângulo da queda: Rússia, Ucrânia e Kazaquistão.
Uma parte da história é evidente: a Ucrânia é um dos principais exportadores agrícolas, mas dificilmente continuará sendo, uma vez que a Rússia está bombardeando suas linhas férreas e bloqueando os portos do país. Mas há algo mais: a Rússia interrompeu grande parte de suas exportações de grãos para manter baixos os preços no país. Como se fosse pouco, o Kazaquistão, o maior exportador de produtos agrícolas dessa região, seguiu o exemplo russo, não exporta nem um grão de trigo. O comércio mundial de trigo (e de óleo de girassol) virou um caos. Há muitas opiniões, mas a verdade é que ninguém sabe como será o futuro desse grão essencial.
Rússia e China levam quase a zero as exportações de fertilizantes.
O sistema atual de produção de fertilizantes consome muita energia e antes da guerra, a Rússia era o principal exportador do mundo, mas agora levou quase a zero suas exportações desse insumo fundamental. Mas, ao contrário do que muitos apregoam, não se trata apenas da Rússia. Como indica uma nova análise do Instituto Person de Economia Internacional, a China, outro grande produtor de fertilizantes, reduziu enormemente suas exportações. A intenção é a mesma dos russos, impedir preços elevados em seu país. Fertilizante só pode ser produzido em país com fartura de energia. Não dá para pegar uma indústria de fertilizante e colocar em outro país qualquer. Muito menos no Brasil, onde há dificuldades energéticas. Lembrem-se que a fábrica de Três Lagoas dependerá, algum dia, do gás boliviano. Tal como o trigo, a chegada de navios de fertilizantes no Brasil, ainda que aproximadamente 40 navios cheguem em nossos portos, virou uma enorme interrogação. A perspectiva futura é caótica. Quem garante a continuidade das remessa de fertilizantes saídos da Rússia?
A globalização pode sofrer uma grande parada.
A globalização começou com Vasco da Gama assaltando os portos da Índia. Adquirira força com os navios a vapor, estradas de ferro e telégrafo. Nos primeiros anos do século XX, os britânicos já comiam trigo canadense, carne argentina e cordeiro neozelandês. Era uma economia surpreendentemente integrada, graças à tecnologia avançada da época. Logo, a ascensão do totalitarismo político e do protecionismo econômico, acabou com essa grande onda de mundialização. Vieram as guerras e destruíram a globalização. A fome se alastrou. Não havia plantação suficiente para atender o mundo e, ainda muito mais importante: o dinheiro desapareceu.
A globalização depende de estabilidade.
A globalização sempre depende de um entorno geopolítico relativamente estável. Tudo indica que estamos perdendo essa estabilidade tão essencial. Apesar das dificuldades com a quantidade insuficiente de contêineres e do emperramento dos portos, especialmente dos chineses, segue sendo possível comprar aparatos eletrônicos. O que estamos vendo ser duramente golpeado é mais rudimentar, como o comércio de trigo e de fertilizantes. À medida que o mundo se torna um lugar mais perigoso, as coisas que não dávamos importância, como o comércio de alimentos em grande escala, se mostram muito mais frágeis do que pensávamos.