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Economia

Contrabando de agrotóxicos repete tráfico e põe MS como rota nacional

Estudo divulgado nesta segunda-feira em Campo Grande mostra que entrada ilegal de defensivos no país repete tática de traficantes

Humberto Marques e Fernanda Palheta | 24/06/2019 16:52
Apreensão de agrotóxicos pela PRF em MS; contrabando gera prejuízo bilionário ao país. (Foto: Arquivo)
Apreensão de agrotóxicos pela PRF em MS; contrabando gera prejuízo bilionário ao país. (Foto: Arquivo)

Um mercado ilegal, que movimenta cifras milionárias, colocou Mato Grosso do Sul como um de seus centros de escoamento para o país, repetindo as rotas que drogas ou cigarros fabricados no Paraguai já realizam. O contrabando de defensivos agrícolas tem se mostrado uma atividade rentável, resultando em perdas de até R$ 20 bilhões anuais à economia brasileira –sem falar em prejuízos também para o meio ambiente e a própria saúde da população, já que alguns dos agrotóxicos contrabandeados têm concentrações de químicos até 600% maior que a autorizada no Brasil.

Os dados acima fazem parte do estudo “O contrabando de defensivos agrícolas no Brasil”, lançado pelo Idesf (Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras), que coloca a fronteira sul-mato-grossense com o Paraguai como uma das rotas mais usadas no contrabando de agrotóxicos. Mundo Novo, Porto Murtinho e, principalmente, Ponta Porã –na fronteira seca com Pedro Juan Caballero– são citados como portas de entrada dos produtos no Brasil.

“Esse estudo tem por objetivo dar luz ao volume e dimensão do mercado ilícito”, afirmou Luciano Stremel Barros, presidente do Idesf, durante lançamento do estudo nesta segunda-feira (24), na sede da Delegacia da Receita Federal em Campo Grande. “A porta de entrada desses produtos no país são basicamente as fronteiras e portos”, prosseguiu. No caso de Mato Grosso do Sul, os agrotóxicos são originários da China –chegando à América do Sul por portos como Antofagasta, no Chile, ou fabricados no próprio território paraguaio.

“Mato Grosso do Sul tem sido uma porta de entrada para os defensivos ilegais, e um dos maiores problemas que temos é não saber a extensão do uso. Ainda se desconhece o impacto desse contrabando tanto aqui no Estado como em outros lugares”, afirmou o secretário de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável, Produção e Agricultura Familiar de Mato Grosso do Sul, Jaime Verruck, reforçando dados que apontam aumento na comercialização do produtos.

Diferenças – O estudo do Idesf aponta que um dos maiores problemas decorrentes do uso do defensivo contrabandeado é a sua diferença em relação ao produto nacional quanto a concentração dos principais químicos.

Stremel Barros apontou diversos prejuízos causados pelo contrabando de agrotóxicos ao país. (Foto: Kísie Ainoã)
Stremel Barros apontou diversos prejuízos causados pelo contrabando de agrotóxicos ao país. (Foto: Kísie Ainoã)

Um exemplo é o benzoato de emamectina, usado no combate à helicoverpa –uma lagarta comum em lavouras de soja que teve aprovação provisória e emergencial em seis Estados até julho deste ano, com concentração máxima de 5%. No Paraguai, o limite é de 10%, porém, os produtos contrabandeados chegam a ter concentração 600% superior ao liberado no Brasil. Graças a essa diferença o produto acaba oferecido com vantagem para os produtores, que ainda adquirem o produto nacional em quantidades menores apenas para maquiar a presença do agrotóxico ilegal.

A quantidade acima do tolerável não representa apenas prejuízo à saúde e aos ecossistemas, mas também para a própria cadeia produtiva brasileira. O Idesf lembra que muitas pragas podem desenvolver resistência aos produtos tóxicos que, em concentrações elevadas, podem também levar a embargos internacionais à produção –mercados como o chinês, europeu e norte-americano têm sido criteriosos quanto a entrada de produtos com agrotóxicos. Em janeiro, a Rússia rejeitou soja brasileira pela presença de herbicidas acima da dosagem permitida naquele país.

Passagem – O estudo reforça que o produto ilegal é usado em Mato Grosso do Sul, mas também escoa para outras regiões, principalmente Mato Grosso. Em relação a outras regiões, a diferença no contrabando pelo Estado está na quantidade: os dados do estudo revelam apreensões em grandes quantidades. Os criminosos costumam ocultar o item em carregamentos de produtos agrícolas, como soja –que pode também ser contaminada– ou mesmo maquiada entre carregamentos de droga, conforme apurado.

Paraná (a partir de Salto del Guairá e do lago de Itaipu), Rondônia (por meio de uma nova rota via Bolívia) e Rio Grande do Sul (por via fluvial), além de portos do Nordeste e Sudeste estão entre as rotas mais usadas pelos contrabandistas, que direcionam as cargas para regiões como Mato Grosso, Goiás, regiões Sul e Sudeste e o chamado Matopiba (área agrícola compreendida entre Maranhão, Tocantins, Piauí e oeste da Bahia, entre o Norte e o Nordeste).

Segundo Verruck, Iagro também atua no controle de agrotóxicos. (Foto: Kísie Ainoã)
Segundo Verruck, Iagro também atua no controle de agrotóxicos. (Foto: Kísie Ainoã)

“Muitas vezes esses agrotóxicos entram de forma legal nos países vizinhos, mas não tem concentrações permitidas”, disse Stremel Barros, apontando ainda a vulnerabilidade das fronteiras. “Hoje estamos vivendo uma junção de quadrilhas, que usam os mesmos mecanismos e organizações das de tráfico de drogas e armas e contrabando de cigarro”, prosseguiu. As estradas vicinais e estaduais nas regiões de fronteira e até mesmo rodovias federais integram as rotas de contrabando.

Superintendente da Polícia Federal em Mato Grosso do Sul, o delegado Cléo Mazzoti afirma que o estudo “mostra a dimensão do problema”, escancarando que os contrabandistas de defensivos se valem da tática de outras quadrilhas –que continuam a ser combatidas por meio de barreiras e operações de inteligência. Mazzoti atentou, ainda, para outra questão preocupante: a falta de logística reversa para embalagens de defensivos contrabandeados, que acabam não sendo recolhidas como os produtos legalizados, gerando um problema ambiental.

Já Verruck lembrou que, recentemente, cerca de 200 defensivos tiveram seu registro e uso liberados no Brasil, faltando agora modernizar a legislação do setor para coibir o contrabando, “com aumento das restrições e a procura por outros tipos de soluções”. Ela ainda cobrou consciência do produtor rural para não utilizar tais produtos, reforçando que a Iagro (Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal) também atua na fiscalização dos produtos ilegais.

Aliado – O estudo não criminaliza o uso dos defensivos, defendendo sua aplicação mediante regulamentações. Conforme o Idesf, o Brasil só chegou às primeiras posições mundiais na produção agrícola graças ao uso dos materiais –que ajudaram a elevar a produtividade de 1,4 tonelada por hectare nos anos 1970 para 5,5 toneladas por hectare na 2018/2019. O Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) apontou que, até 2030, um terço dos produtos agrícolas comercializados pelo mundo terá origem no Brasil.

“Sem o emprego dessas substâncias, estima-se que a produção agrícola sofreria redução na ordem de 50%”, aponta o levantamento, frisando que há controle na liberação de novos defensivos pelos Ministérios do Meio Ambiente, Agricultura e Ministério da Saúde, além da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Dentre os defensivos, em 2017, 60% dos vendidos eram herbicidas, contra 15% de inseticidas e igual percentual de fungicidas. Acaricidas representam 2% do mercado, e 1% vai para o tratamento de sementes –os demais produtos compreendem os 7% restantes, conforme o Idesf. Trata-se de um mercado que movimenta bilhões e que começou a chamar a atenção dos criminosos que, até 2009, atuavam em menor escala e eram retidos pelas autoridades de segurança –levando à mudança de estratégia detectada atualmente.

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