Especialista aponta lacunas em resultados da operação Carne Fraca
Interpretações aparentemente equivocadas, informações que não se encaixam com a realidade e falta de dados técnicos apontam lacunas e fazem quem entende do setor produtivo questionar a forma como foram divulgados os resultados da operação Carne Fraca, que identificou irregularidades em frigoríficos no Paraná, Goiás e Minas Gerais.
A zootecnista Paula Martino, autora do blog Carne Com Ciência, afirma estar preocupada com a repercussão negativa que a ação teve na imagem dos produtos das plantas que atuam de forma idônea.
No fim de semana, pipocaram pelas redes sociais memes sobre o assunto que praticamente colocam no mesmo patamar toda a carne e derivados fabricados no país.
Ela não questiona o trabalho da corporação, mas a maneira como as informações foram trazidas a público. Para a zootecnista, ou os dados já divulgados sobre a operação estão incompletos ou a ação deixou uma série de lacunas.
“As informações passadas por um delegado que conhece a lei, mas [aparentemente] não de procedimentos de frigorífico, dá a entender que o problema é grave, mas muitas coisas não são conforme aquilo que parece”, pontua.
Na mão – O primeiro questionamento de Paula é sobre o tempo que duraram as investigações e a tomada de providências. Se desde o início houve denúncias de carnes impróprias para consumo, por que a corporação não apreendeu imediatamente aqueles produtos?
Segundo ela, no setor as empresas devem ser capazes de, em uma emergência sanitária, por exemplo, identificar exatamente para foram os lotes problemáticos no intuito de recolhê-los. “Todas as indústrias exportadoras de carne in natura e derivados que são habilitadas para exportação precisam ter procedimentos de segurança alimentar. Saber fazer recall é um deles”, pontua.
Uma vez por ano, segundo ela, as grandes indústrias recolhem alguns lotes como teste para apurar em quanto tempo eles conseguiriam, diante de uma situação real, tirar de circulação produtos impróprios, geralmente em 24 horas.
Qualidade – Paula também diz ter notado pouco embasamento técnico na divulgação dos resultados da Carne Fraca. A polícia afirma ter realizado algumas perícias que apontaram, por exemplo, presença de ácido ascórbico acima do normal em alguns derivados e ausência de proteínas essenciais em outras. “Até o momento não saiu nada [na imprensa] sobre o uso de uma equipe técnica pela Polícia Federal”, afirma.
“Por exemplo, o ácido ascórbico é um ingrediente comum na fabricação de produtos industrializados. Nada mais é do que vitamina C, que logicamente deve ser usado em uma quantia específica de acordo com a lei. Nos produtos industrializados ele acentua o sabor e muda o cheiro. Isso é super normal, assim como nitrato e nitrito para dar aquela cor rosada na salsicha. Precisa ser comprovado se a quantidade estava dentro do limite”, diz a especialista.
Outro ponto polêmico é acerca do suposto uso de papelão em alguns embutidos. Segundo a PF (Polícia Federal), um funcionário de frigorífico e um dirigente tiveram uma ligação telefônica interceptada em que eles usam o termo “entrar com papelão no CMS”, sigla para Carne Mecanicamente Separada.
Na interpretação da corporação, os dois estavam combinando o acréscimo do papelão nos produtos. No entanto, segundo a zootecnista, em nenhum momento foi informado se os investigadores apreenderam e examinaram lotes fabricados pelas empresas suspeitas no intuito de confirmar a presença dele.
Se existe esse laudo, afirma Paula, novamente cabe questionar o motivo de não terem apreendido os lotes contaminados.
Explicação mais plausível, para ela, encontra-se em uma gíria usada no ramo que nomeia os setores de um frigorífico pelos produtos que eles fabricam. Nesse caso, CMS não quer dizer a carne processada em si, mas o lugar na fábrica que realiza a separação.
Faz ainda mais sentido, segundo ela, entender que nesses pontos, só é permitida a entrada de caixas de plástico para evitar a contaminação. A conversa, dessa forma, dá a entender que o funcionário estava pedindo autorização para entrar no recinto com embalagens desse material diante de algum problema no processo.
“Não estou defendendo a coisa errada. Se for comprovada irregularidade, é uma coisa grave que deve ser corrigida e os responsáveis punidos. A questão é como essas informações foram divulgadas e por que elas foram divulgadas dessa maneira. Por que não houve recall desse produto? Deixaram a gente comer produto estragado durante dois anos e não falaram nada? Se houve uma acusação, por que eles não recolheram os produtos daquela empresa e fizeram um exame? Por que não deram batida na indústria e recolheram os produtos da câmara fria?”, completa.