SBPC resiste a quadro de crise para propor soluções e evitar “tiro no pé"
Presidente da SBPC, Ildeu Moreira fala do maior evento científico da América Latina que será realizada pela 1ª vez em Campo Grande
O agravo do cenário de corte e contingenciamento de recursos para educação, pesquisa e inovação balançou, mas não derrubou a reunião anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). Maior evento científico da América Latina, a 71ª edição do encontro será realizada pela primeira vez em Campo Grande, a partir de domingo (21), na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). Serão pelo menos 250 conferências, palestras, rodas de conversa, oficinas e minicursos, preparados para discutir e propor soluções sobre temas centrais ao País.
A reunião chega à Capital em meio a perspectivas nada animadoras no campo do investimento em educação e ciência no Brasil. Em março, o presidente Jair Bolsonaro decretou bloqueio de R$ 2,158 bilhões do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), equivalentes a 42% do orçamento para este ano. Já o congelamento no MEC (Ministério da Educação) totalizou R$ 5,839 bilhões, maior corte em números absolutos.
Entidades da área condenaram o bloqueio e alertaram para a estagnação no desenvolvimento científico e tecnológico do País. Segundo o físico e presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, os reflexos da medida já foram sentidos durante a organização do evento. “É um quadro dramático. Tivemos muitas dificuldades para organizar a reunião anual nas mesmas dimensões das anteriores. Os cortes nos atingiram profundamente”.
O contingenciamento vai na contramão do que Bolsonaro se comprometeu a fazer durante a campanha presidencial. Em resposta à carta enviada por SBPC e ABC (Academia Brasileira de Ciências), o então candidato escreveu que a meta do governo federal era investir 3% do PIB (Produto Interno Bruto) em ciência e tecnologia. Hoje, o percentual é de aproximadamente 1%.
Tradicionalmente, o MEC aporta recursos à universidade-sede para viabilizar o encontro. De acordo com Moreira, não houve repasse para a edição de 2019. Mesmo com apoios de Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e Fundect (Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul), a previsão é de uma reunião bastante reduzida.
Para o presidente da SBPC, os obstáculos reforçam ainda mais a necessidade da realização do evento. “As reuniões da SBPC se caracterizam por isso. Não deixaram de acontecer mesmo em períodos de restrições fortes, durante a ditadura. São sempre reuniões de afirmação, com aspectos de resistência a uma série de decisões que são tomadas. Esse ano não vai ser diferente. Vamos afirmar e reafirmar a importância da ciência e da educação, discutir propostas concretas e medidas que podem ser tomadas”.
Moreira lembra que os cortes não começaram este ano, mas sim, vêm desde 2014. “Vão ser apresentados documentos e propostas de especialistas de várias áreas, propor alternativas, criticar os cortes, mas também propor soluções, alternativas que permitam sair da crise que vivemos. O governo não está levando em conta, e isso começou em 2014, que está dando um tiro no pé ao cortar recursos novamente nessa área”.
Ministro-astronauta - A cerimônia de abertura da SBPC está marcada para a noite de domingo (21), no Teatro Glauce Rocha. A solenidade não contará com o ministro da Ciência, Marcos Pontes, que está na Flórida, Estados Unidos, para celebrar os 50 anos da Apolo 11 na Lua com a Nasa.
Único brasileiro a ir para o espaço, o titular do MCTIC deve participar da reunião anual somente na sexta-feira (26), em conferência apresentada por Ildeu Moreira.
A programação do encontro (confira aqui) é marcada pela interdisciplinaridade. Temas como reforma da Previdência e a capoeira como filosofia de liberdade dividem o mesmo horário. Ciência e inovação em bioeconomia, diversidade e desenvolvimento social compõem o principal eixo de debates da edição de 2019.
O senador Nelsinho Trad será um dos conferencistas da reunião anual. Na terça-feira (23), o parlamentar fala sobre as oportunidades econômicas e científicas da rota bioceânica, alternativa logística em implantação.
Temáticas regionais também entram nas rodadas de discussão do evento. Estudos sobre fauna e flora do Pantanal Sul-mato-grossense e do Cerrado estão entre os assuntos de palestras, mesas-redondas e minicursos.
A UFMS promoveu uma série de reparos em sua estrutura para receber o encontro. A Cidade Universitária ganhou recapeamento, revitalização do corredor central, reforma do estacionamento, nova pintura e até totens para identificação dos blocos.
As atrações da reunião anual são gratuitas. A inscrição é exigida apenas para frequentar minicurso ou para obter o certificado online de participação geral. A organização espera pelo menos 15 mil pessoas durante os sete dias de evento.