"Tekoha Nhanderu - Aldeia de Deus" é beleza no fio de esperança da demarcação
O fotógrafo capixaba, com alma de carioca, Marcelo Santos Braga, tem como uma de suas missões trabalhar o lado social da fotografia. Não quer somente criar uma cena bonita aos olhos, vai além, pensa no contexto histórico que a imagem produz e no poder transformador das lentes. Nessa pegada, Marcelo desembarca em Campo Grande, mais especificamente no Supapo Criativo, com imagens captadas durante doze dias no Tekoha Guaiviry, comunidade indígena que luta pela demarcação de território entre os municípios de Amambai e Ponta Porã.
Ao chegar no espaço criativo, Marcelo deu de cara, pela primeira vez, com suas fotos impressas. O tempo passou e já faz três anos desde a aproximação que lhe rendeu a série. De lá para cá ele teve notícias de que muito do que esta registrado ali, em 2015, mudou.
Como exemplo, cita um dos personagens registrados. Um ancião da comunidade, rezador, responsável por fomentar a cultura e resgatar as origens mais profundas dos guarani kaiowá, que tinha na espiritualidade o grande guia de conduta, morreu recentemente. "O registro então já se tornou histórico. Representa esse baque que a comunidade deve ter sentido quando perde um expoente importante pra eles. Essas crianças também estão três anos mais velhas, com outros traços, isso que é o bacana", conta.
O timing desse trabalho foi, diga-se de passagem, o ideal. Marcelo conseguiu pegar a fase em que os líderes reerguiam-se para a retomada de território, depois do assassinato de um líder, Nísio Gomes, em 2011. "Eles estavam vivendo há anos na beira da estrada e o cacique Nisio, cansado daquela situação, decidiu ocupar o espaço que, no passado, era deles, e que já havia se transformado em uma fazenda. Nesse momento, Nisio foi assassinado, por sua luta, mas os que ficaram deram prosseguimento ao trabalho, e quem assumiu foi seu filho, Genito".
Resgate é a palavra que tem guiado aquela comunidade desde então, na fronteira entre Brasil e Paraguai. O território foi identificado como parte da Terra Indígena Amambaipeguá em 2008, mas não demarcada pelo governo federal até hoje. Expulsos da área em nome da expansão agropecuária na década de 60, os índios reivindicam a demarcação do tekoha Guaiviry desde 2004.
Com a leveza das crianças, que representam a esperança de um futuro respeitoso, acolhedor aos povos originários do Brasil, que Marcelo decidiu retratar esse povo.
Em uma das fotos, o grupo de crianças deita em círculos. Cada feição demonstra um sentimento e, para absorver tanta beleza e particularidade, é preciso ficar por um tempo observando o registro. "Eu escolhi por colocá-los nesse formato porque os chefes da tribo dizem que, durante a batalha, eles precisam se olhar, conseguir ver o irmão, para entender o que ele está sentindo. Eles dizem que nós fazemos errado ao ensinar os alunos sentados em fileiras, por exemplo".
Vale ressaltar que, mais do que um fotógrafo, Marcelo é um estudioso e defensor das causas indígenas. Ao fazer esses trabalhos sociais, ele mergulha na realidade daquela cultura, para fazer com que a visita traga visibilidade para a causa e deixe algo de bom para a comunidade.
"Eu não sei se isso foi instigado pela minha presença ou se já era algo que eles tinham em mente mas eu soube que Genito está num processo de produção de documentários que trazem essa história e isso é muito importante".
Ao lado de Luciana Teixeira, idealizadora do Supapo, eles querem fazer com que essa série seja vista pelo máximo possível de pessoas. À venda, toda a renda obtida pelas fotos serão revertidas para a comunidade, que precisa urgentemente de uma colaboração à Casa de Reza. "É lá onde eles realizam todos os rituais espirituais. Soubemos que a casa está desmoronando, caindo aos pedaços", explica Luciana.
É assim, mostrando toda a beleza deles, que a dupla de artistas quer ajudá-los. "A gente precisa sensibilizar a nossa população, esse Estado que ainda tem tanta aversão aos índios. Muito por causa disso escolhi trabalhar esse tema tão pesado de forma mais palatável, leve. Pra você ter uma ideia, tive a oportunidade de ver situações em que eles eram impedidos de entrar no comércio das cidades pelo dono da venda. E são pessoas do coração tão bom, lutando pra manter seus costumes vivos, e para viver no meio desse caos", completa Marcelo.
De acordo com Luciana, a Fundação de Cultura ficou de apoiar a mostra e levá-la, expor essas fotos, no Festival de Inverno de Bonito, que acontece em julho. A conversa ainda não foi oficializada mas os artistas deixam claro a importância de os órgãos públicos apoiarem esse projeto. "A gente tenta, pensa em uma maneira de comercializar, de trazer a renda. Mas a gente tem noção que sozinhos é muito mais complicado", diz ela.
Quem quiser contribuir e de quebra ter uma obra de arte na parede de casa deve desembolsar entre R$ 450,00 a R$ 800,00 por obra. O valor foi pensado para conseguir atender ao público sul-mato-grossense.
Além das séries focadas no social, Marcelo também fotografa outros estilos, mais comerciais e contemporâneos. Para conferir o trabalho do fotógrafo acesse o link.