A curiosidade de Maurício Tibana o "transformou em fotografia" há 72 anos
Hoje, aos 86, um dos fotógrafos mais antigos de Campo Grande está há 18 anos sem tocar em uma câmera, mas é otimista em relação ao futuro da fotografia
Parece clichê, mas a verdade é que é difícil para quem vive na era em que a tecnologia permite que "todo mundo com um celular na mão possa ser chamado de fotógrafo", imaginar o cenário no qual Maurício Tibana começou a registrar o cotidiano pelas lentes de uma Zeis Ikon, marca alemã de câmeras fotográficas, que já foi a melhor do mundo, traduzindo pontos de vista únicos em imagens capazes de transcender o tempo.
Filho mais velho entre os 10 irmãos, Maurício não frequentou o ensino regular. Teve uma educação tradicional japonesa. Aprendeu não apenas a língua materna como também se reconectou com as raízes da cultura do país para o qual o pai pretendia voltar, um plano que não se concretizou, mas fez com que aos 14 anos Maurício descobrisse o amor pela fotografia.
"Faz parte da cultura japonesa incentivar os estudos, como eu não frequentava o ginásio e não dei sequência à formação tradicional para entrar em uma universidade no Brasil e nós nunca voltamos ao Japão, decidi que era hora de encontrar uma profissão e chamei meu pai para conversar", relembra sobre 72 anos atrás.
Com o apoio do pai, Maurício conseguiu trabalho com a família Katayama, os verdadeiros pioneiros da fotografia em Campo Grande, segundo ele. Sob a tutela de Hiyoshi Katayama, o primeiro profissional da área a instalar um estúdio fotográfico na cidade. Assim, ele aprendeu na prática a profissão que exerceu por mais de 50 anos.
Ao completar 18 anos, deu uma pausa na carreira, porque precisou servir ao Exército. Foi incentivado pelos superiores a seguir como militar, mas mesmo diante de um emprego estável e um futuro garantido financeiramente, a vocação falou mais alto.
Em 1953, a Rua Dom Aquino, entre a Rua 13 de Maio e a Rua Rui Barbosa, se tornou o endereço de muitas histórias felizes quando, no prédio que ainda é da família, Maurício abriu a Foto Universo. "Cheguei a atender cerca de 70% dos casamentos da cidade", conta. Até os anos 2000, o local foi o lar para o amor que ele define como "ikigai", a palavra japonesa para a razão do ser, o motivo pelo qual levanta todas as manhãs.
A vitrine trazia equipamentos modernos e as novidades mais recentes da época quando o assunto era equipamento, tudo de São Paulo ou encomendado de fora do País. "Ia constantemente até São Paulo ver pessoalmente os lançamentos e acompanhando cada inovação", lembra com um misto de ansiedade e otimismo que o mantiveram à frente dos colegas de profissão da época.
Para montar a loja, Maurício investiu cerca de 120 mil dólares no primeiro laboratório de revelação de fotos coloridas de Campo Grande, garante.
Analisando a própria trajetória profissional, Maurício tem uma visão lúcida de si. Entende a própria figura como alguém que sempre foi um "experimentador" que tinha por natureza "degustar" a fotografia. Foi, por exemplo, o primeiro fotógrafo a contar a história dos noivos em uma sequência de fotos feitas antes e durante a cerimônia.
Apesar do pioneirismo nessa área, o trabalho o levou a se aventurar por diversos cenários, fotografando paisagens, pessoas, se aventurando pelo fotojornalismo e pelo campo da pesquisa cientifica, o que fez da Foto Universo um imenso laboratório abrindo espaço também para fotógrafos amadores e virando ponto de encontro para o Foto Cube Hércules Florêncio, em homenagem ao primeiro fotógrafo do Brasil.
O grupo foi o primeiro a organizar uma expedição ao Pantanal, capturando imagens da vida selvagem com uma nitidez que impressiona justamente pelo equipamento utilizado na época, em que a qualidade da foto dependia exclusivamente de quem manuseava a câmera. O que para Maurício era o grande diferencial dos profissionais da época, já que "quem mexia com fotografia era quem realmente era apaixonado por ela e estava de disposto a enfrentar as adversidades por uma boa foto", conta.
Mas entre as muitas memórias repletas de descobertas, uma das experiências mais marcantes de Maurício foi durante uma perícia criminal em parceria com a polícia federal. A cena de um corpo retirado de um poço ainda é nítida na mente do fotógrafo, que acompanhou as operações registrando todo o acontecimento, ele ainda se lembra do cheiro e da aparência do homem que já estava ali há dias e que de tão forte o odor, impediu até o almoço daquele dia.
Técnica - Saber usar o modo manual da câmera era, não só a parte mais básica da fotografia como também não queria dizer absolutamente nada sobre o profissional. Era necessário saber retocar a foto, o segredo das imagens analógicas sempre foi o retoque da foto, processo avô do photoshop, em que ainda no filme o fotógrafo precisava corrigir as imperfeições do retrato com produtos químicos e carvão de lápis de ponta fina.
Aos 86 anos Maurício é parte da história de Campo Grande, mas há 18 anos não chega perto de uma câmera, em parte pela visão, principal instrumento de trabalho de um fotógrafo, que não é mais a mesma em parte pela tristeza de acompanhar os rumos do mercado que ele ajudou a transformar.
"Hoje não precisa mais entender de fotografia, basta ter dinheiro para investir em uma câmera, nem todos que atuam na área são verdadeiros amantes da fotografia como na minha época e a deslealdade tomou conta do mercado, de uma forma que é impossível competir com os preços impostos pela concorrência que não valoriza o próprio trabalho".
Sobre a tecnologia, ele é otimista e depois de todas a evolução que acompanhou, acredita que não há limites para o que a era digital pode fazer, mas nem sempre foi assim, "houve uma época eu nem podia imaginar como as coisas seriam hoje, eu não acreditava que todo aquele equipamento de ponta pudesse ser superado", confessa.
Olhando para trás, Maurício faz previsões que apenas a experiência é capaz de comprovar, "Foi um longo caminho até aqui, mas vamos ainda mais longe, porque tão impressionante como são as realizações da era digital também é o que ela poderá fazer em um mundo em que limites não existem. Ainda assim, independente do método, a fotografia sempre será importante, tanto histórica quanto afetivamente e por tanto, eterna".