Com a vida e versos de Manoel de Barros, Afonso Pena ganha a feição da poesia
"Meu quintal é maior que o mundo".
Manoel de Barros veste de poesia os altos da Avenida Afonso Pena. A comemoração do centenário do nascimento do poeta começa a dar às caras na Capital. Entre a vida e os versos, 25 painéis contam pelas palavras de quem pensava renovar o homem usando borboletas, a simplicidade de Manoel.
A iniciativa é do Sesc, que ainda nesta semana, o Sesc lança a programação completa em comemoração aos 100 anos do poeta.
Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em 1916, em Cuiabá. "Ao nascer eu não estava acordado, de forma que não vi a hora. Isso faz tempo". Em cada trecho do canteiro, vida e versos se encontram através de ilustrações assinadas por Rafael Mareco, Lyara Costa, Denis Feliz, Wanick, Diogo Carveiro e Bruno Kulcznki.
"Me criei no Pantanal de Corumbá entre bichos de chão, aves, pessoas humildes, árvores e rios". Com 1 ano de idade, Manoel veio viver em Corumbá, de onde levou as referências da infância para as palavras.
"Tenho o privilégio de não saber quase tudo. E isso explica o resto". Na fase dos estudos, seguiu o costume da época e foi para internatos. Aos 18, no Rio de Janeiro, ingressou na juventude comunista, período no qual escreveu seu primeiro livro "Nossa Senhora da escuridão" e que fora levado pelos militares. Depois da decepção com o apoio de Julio Prestes ao governo Vargas, abandonou o movimento comunista e ainda fez morada na Bolívia e Peru até ir para Nova Iorque, onde estudou Cinema e Artes.
"Desse tempo adquiri a mania de mirar-me nos espelhos das águas". Em 1937, Manoel publicou seu primeiro livro "Poemas concebidos sem pecado", numa tiragem artesanal de 20 exemplares e mais um, que ficou para si. Quatro anos depois, se formou em Direito. Profissão que nunca exerceu.
"Que rosa esplendente é o amor! Que maravilha adorar!" Manoel conheceu, namorou e se casou com dona Stella em apenas três meses e com ele teve os três filhos: Pedro e João, que já morreram e Martha, filha que herdou o talento nas artes.
"Ninguém pode fugir do erro que veio". Em 1949, voltou de vez para o Pantanal e na década de 60, começou a trabalhar como fazendeiro. "Não estou na sarjeta porque herdei uma fazenda de gado. Os bois me recriam".
E das terras pantaneiras, viveu Bernardo. "Esse Bernardo eu conheço de léguas. Ele é o único ser humano que alcançou de ser árvore. Por isso deve ser tombado a Patrimônio da Humanidade".
E foi nos anos 80, que Manoel de Barros foi lançado no cenário nacional através de citações. Não que isso lhe importasse, porque via o muito nas miudezas da vida. Na mesma década, ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria poesia, com "O guardador de águas". Mérito que repetiu novamente.
"Escrevo o Manoelês arcaico. O ponho de cerebral nos meus escritos a apenas uma vigilância para não cair na tentação de me achar menos tolo que os outros. Sou bem conceituado para parvo. Disso forneço certidão".
Ao andar pelo canteiro, se acompanha as publicações de Manoel. Em 1996, "Livro sobre Nada", considerado seu mais famoso trabalho, foi lançado. E três anos depois, "Exercícios de ser criança" abria a série de quatro livros infantis assinados pelo Manoel menino.
Nos anos 2000, acumulou o segundo Jabuti e em 2013, figurou na lista como um dos indicados ao Nobel de Literatura. Além de dar nome a prêmios.
"No meu morrer tem uma dor de árvore". E em novembro de 2014, aos 97 anos, o coração do poeta parou, depois de meses sem vontade de viver. Não foi doença que o transformou em passarinho, só mesmo a velhice, que lhe trouxe a falência múltipla de órgãos.
Até metade deste ano, não havia nada programado para celebrar os 100 anos de Manoel no Estado. Mato Grosso do Sul afora, os livros serão reeditados e lançados de novo e a promessa de materiais inéditos como fotografias e cartas trocadas entre o poeta e seus amigos: Millôr Fernandes, Carlos Drummond de Andrade e Mario de Andrade.
Em 2010, à revista Cult, Manoel poetizou a lembrança que gostaria de ver de si. "Gostaria de ser lembrado como um ser abençoado pela inocência. E que tentou dar feição à poesia".