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Artes

Para quem já foi despejado até debaixo da ponte, só arte é terapia

Há 5 anos Rone vive pelas ruas e descobriu que pintar é jeito de respirar e ainda ganhar alguns trocados

Aletheya Alves | 21/10/2022 06:35
Roneverson França dos Santos cria e vende seus quadros na Avenida Vereador Thyrson de Almeida. (Foto: Paulo Francis)
Roneverson França dos Santos cria e vende seus quadros na Avenida Vereador Thyrson de Almeida. (Foto: Paulo Francis)

Em cinco anos vivendo pelas ruas de Campo Grande, Roneverson França dos Santos descobriu que para quem já foi despejado até debaixo de “ponte”, só arte é sua terapia. Ao lado do córrego da Avenida Vereador Thyrson de Almeida, ele levantou mais uma vez seu barraco e transformou sua mão em pincel para criar pinturas.

Deixando claro que não é pedinte, Rone diz que continua morando na esquina da Avenida Manoel da Costa Lima porque ali consegue vender seus artesanatos e quadros. Mesmo tendo que dividir o dinheiro que consegue entre a comida do dia e a compra de tintas, ele explica que desde que começou a pintar os dias ficaram menos difíceis.

“Isso aqui é uma terapia enorme. Você vai fazendo, vai pintando e as coisas vão aparecendo. É ruim quando chove porque você perde o que fez, molha tudo, mas mesmo assim eu continuo fazendo”, Roneverson explica.

Sobre como a história teve início, ele conta que começou a pintar há cerca de um ano com outro artista que mora nas ruas, mas que desde o início quis criar seu próprio estilo. “O Meia-Noite foi me ensinando aos poucos. Na escola, na aula de artes eu gostava de desenhar e pintar, mas abandonei isso”.

Ele conta que tomou gosto pela pintura com outro colega que também mora nas ruas. (Foto: Paulo Francis)
Ele conta que tomou gosto pela pintura com outro colega que também mora nas ruas. (Foto: Paulo Francis)
Tintas acabando, pincel gasto e garrafinha com água integram os materiais de Rone. (Foto: Paulo Francis)
Tintas acabando, pincel gasto e garrafinha com água integram os materiais de Rone. (Foto: Paulo Francis)

Sem dinheiro para comprar materiais, ele se vira com dois tubos de tinta que conseguiu comprar, o resto de outras que ganhou e um pincel já desgastado. “Eu encontro no lixo pedaço de azulejo, Mdf, coisa de alvenaria e pinto em cima. Tinta é mais difícil, então vou comprando aos poucos. Gosto de passar verniz, mas só ele já é muito caro”, conta Rone.

Preferindo os dedos ao pincel, o artista explica que se diverte com o processo de criar cada arte. Isso porque ele até tenta começar com algo definido, mas quando percebe o desenho já se tornou outra coisa.

“Eu vou pintando devagar, então na verdade eu nem sei o que vai virar. Jogo a tinta, vou mexendo para lá, mexendo para cá, aí vai ficando pronto. Dos rabiscos vai saindo alguma coisa”, Rone detalha.

Assim como acontece com a pintura, ele conta que imaginava que sua vida fosse tomar um rumo, mas acabou indo para outros bem diferentes. De acordo com o pintor, precisar morar foi causado por uma série de acontecimentos.

Pinturas vão surgindo conforme rabiscos tomam forma. (Foto: Paulo Francis)
Pinturas vão surgindo conforme rabiscos tomam forma. (Foto: Paulo Francis)
Rone aprendeu a preferir usar os dedos como pincéis. (Foto: Paulo Francis)
Rone aprendeu a preferir usar os dedos como pincéis. (Foto: Paulo Francis)

Cinco anos atrás, ele tinha um emprego e havia acabado de se separar da primeira esposa, como ele narra. “Terminei o casamento sem briga, na conversa mesmo e fui para a casa da minha mãe. Comecei a trabalhar, consegui um terreno e estava fazendo minha casa lá. Mas eu precisei viajar para trabalhar fora e quando voltei tinham colocado fogo na minha casa. O bairro era complicado”.

De acordo com Rone, a relação com a mãe tampouco deu certo, por isso ele decidiu tentar a vida pelas ruas. “Primeiro fiquei ali na Ernesto Geisel onde tem mais gente, debaixo da ponte, mas passaram as máquinas ali e tiraram a gente. Eu perdi tudo, até documento. Fui morar em um conjunto de casas, mas não deu certo também e aí a gente acabou voltando para cá”, explica.

Por conseguir uma pequena renda com os artesanatos e quadro que faz, Rone diz que mesmo saindo da avenida, ele voltaria para conseguir manter alguma renda existente. “Eu falei para minha esposa que a gente até pode tentar ir para outro lugar, mas aqui o pessoal conhece a gente e eu consigo vender minhas coisas. Precisa ter dinheiro”.

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