Por que Campo Grande ataca o rap e adora a bebedeira do sertanejo?
O Lado B publicou hoje uma reportagem sobre manifestação cultural que vem do bairro Tiradentes. Na capa do portal está o rap, que como em qualquer lugar do mundo, fala do que vê nas ruas, principalmente, na periferia das cidades.
Antes mesmo da publicação, a gente já sabia do arsenal que seria voltado aos meninos, que tem o corpo tomado pelas tatuagens, gostam de dizer que fumam maconha e usam símbolos de poder e violência sempre que colocam um clipe no ar. (Bem, você pode até não gostar, mas isso existe em muitos bairros de Campo Grande).
Mas no Facebook, a enxurrada de criticas ao jornal também veio até por parte da Polícia, com ironias como: “Olha o que esse jornal sério fez”. São reclamações, basicamente, sob o pretexto de apologia ao crime, já que o grupo Locoleste aparece com armas, cigarrinhos e fala de truculência policial em letra e vídeo da canção “Quero Money”.
É claro que discordamos desse tipo de contestação, por entender que jornalismo cultural serve para isso mesmo, mostrar o que é produzido na cidade, independente de gosto musical , estético ou ideológico. Aí, se Ministério Público ou polícia tiverem argumentos, que enquadrem a galera na lei.
Mas a polêmica serviu para uma reflexão cá com os nossos botões. Partindo da avaliação dos leitores, dos que acham a matéria uma apologia ao crime, a questão é: Quantas vezes consumimos esse tipo de “crime”? E mais, quantos dos que criticam o rap adoram canções que estimulam, por exemplo, o consumo exagerado de álcool?
Nem vou falar de composições que brincam com temas sérios, como homofobia ou violência contra a mulher, o que sempre é combatido com veemência pelo jornalismo, depois de terem estourado nas paradas de sucesso.
Mas em um País onde milhares de pessoas morrem todos os anos vítimas de acidentes de trânsito provocados pela embriaguez (fora os assassinatos causados pela mesma droga lícita), por que os fãs de Fernando e Sorocaba, por exemplo, não ficam indignados com letras do tipo: “É meu defeito, eu bebo mesmo, beijo mesmo, pego mesmo. E no outro dia nem me lembro”?
Tem também a “apologia ao atestado médico” gente, um crime na voz de Bruno e Barreto na estrofe “Ir trabalhar amanhã é o cacete. Hoje é só farra, pinga e foguete”, e na canção de Bruno e Barreto, que é, inclusive, machista: “se a mulherada é de primeira, fico até segunda feira. Bebo até ficar tonto”.
O povo adora Jads e Jadson na interpretação de “Eu vou beber a noite inteira. Eu vou pra gandaia de segunda a sexta-feira. Vou curtir a vida vou cair na bebedeira”. E veneram o Gustavo Lima que chega ao ápice da pinga liberada com “Eu vou morrer, eu vou morrer, eu vou morrer, mas eu não paro de beber”.
Senhor! Por que reportagens sobre esses hits, nunca viram polêmica nas redes sociais? Será que se mexesse com a polícia e não fosse um bando de gente pobre cantando a reação seria diferente?
Tirando as músicas românticas, quase todas as outras canções sertanejas têm alguma cachaça no meio. Depois, é só ir à balada country de Campo Grande e comprovar como essas músicas animam a galera a beber mais e mais e mais...
Jornalista que faz plantão fim de semana entende muito bem o risco da bebida tão glamourizada na noite. Já vi casos aqui de jovem que bebeu todas em boate sertaneja e em seguida atirou carro dentro do córrego para matar a namorada por ciúmes.
Mas voltando a falar sobre cultura, para encerrar esse papo, elegemos o melhor comentário feito hoje na página do Campo Grande News sobre o Locoleste: "Arte é comunicar, não transgredir". Ué gente, arte boa não é a que faz justamente o contrário?