Prestes a ter nova homenagem, lembrança de Manoel de Barros se apaga em avenida
Há uma década era inaugurada a homenagem ao poeta. Como Manoel de Barros se fazia presente, não era possível dar a ele seu nome. Foi então que surgiu a Avenida do Poeta, cheia de painéis com as palavras do mestre das miudezas. Hoje, no dia em que ele completaria 98 anos, outra homenagem está prestes a ser feita: batizar como Manoel de Barros o polêmico Aquário do Pantanal, agora uma lembrança póstuma.
"A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei". Quem do nada tinha profundidades e considerava poderoso não aquele que descobre o ouro, mas sim o que descobre as insignificâncias, do mundo e de si, hoje tem as palavras quase apagadas. O que se entende, dos, pelo menos, 14 painéis dispostos ao longo da Avenida do Poeta, no Parque dos Poderes, em Campo Grande, são fragmentos quase vazios, de quem sabe o que ali foi reproduzido pelos livros.
Parte das frases foram apagadas pelo tempo, umas por completo, outras até pichadas foram. À época, a homenagem era aos 88 anos de seu Manoel e levava assinatura do Governo do Estado, Câmara Municipal de Vereadores da Capital, empresas como Plaenge, Colortec, Assetur e até da atriz Cássia Kiss. Nos 3km de via, assim em companhia dos trechos da poesia estavam ilustrações da filha Martha de Barros.
O aprendizado, a beleza da simplicidade das coisas, aos olhos de quem passa por ali está quase invisível. Não se fez manutenção, não se retocou e agora a abandonada homenagem se perde perto da próxima. Não é por ser polêmico, pelo valor que custou. Até porque para o poeta, nem as palavras que lhe aceitavam como era, ele não aceitava. Preferiria dar mais respeito aos que vivem de barriga no chão "tipo água pedra sapo".
Cinco dias depois de o coração ter parado de bater, Manoel de Barros teve o nome proposto para o Aquário do Pantanal. O projeto, de autoria do deputado Felipe Orro (PDT), foi apresentado na Assembleia Legislativa. No parecer das comissões onde passou, teve apenas a ressalva de que era necessária a anuência da família. No mais, nenhum voz contrária.
Para a família, a proposta já chegou e também não encontrou oposição. Ao Lado B, o neto de Manoel de Barros, Tiago de Barros Escobar, de 38 anos, falou que eles não têm nada contra e nem a favor e que toda e qualquer homenagem seria bem vinda. Apesar de saberem o quanto Manoel era avesso a esse tipo de reconhecimento.
"Meu avô nunca gostou dessa grandiosidade, mas a gente estende que a obra dele se tornou incontrolável. Falaram do aquário, de uma ponte, qualquer forma. Não tem porquê a gente não querer, fica até lisonjeado", descreve Tiago.
Ele brinca que o que o avô não gostava mesmo era de ter de sair de casa. "O problema dele era sair e receber. Na minha opinião, acho que ele nunca ligou para essas coisas, mas homenagem a gente não exige, o que vier, de alguma forma a gente recebe".
Sobre este dia 19 de dezembro, o primeiro deles sem Manoel de Barros, Tiago fala que "fica na lembrança, é mais um dia que passa".
"Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios."
O apanhador de desperdícios