ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
NOVEMBRO, SEXTA  22    CAMPO GRANDE 28º

Comportamento

A que ponto chega o ser humano para impedir um cachorro de latir?

Projeto de Lei que proíbe o uso da coleira de choque em animais de MS foi arquivado

Thailla Torres | 14/10/2021 06:20
Esse era o Jack, que enquanto viveu, pode latir e brincar à vontade no quintal, sem ser reprimido ou punido pela sua alegria. (Foto: Thailla Torres)
Esse era o Jack, que enquanto viveu, pode latir e brincar à vontade no quintal, sem ser reprimido ou punido pela sua alegria. (Foto: Thailla Torres)

Cachorros latem! É a forma natural deles se expressarem e se comunicarem, demonstrando alegria ou estranheza com algo desconhecido. Mesmo sabendo disso, há quem prefira ter um animal e impedi-lo de latir, optando até pelo uso de coleiras e sprays antilatidos, que são vendidos livremente em casas de produtos veterinários, mas são polêmicos e questionáveis.

Um projeto de lei que proíbe o uso desses acessórios em cães, de autoria do Deputado João Henrique, chegou a tramitar na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, mas foi arquivado. O motivo do arquivamento foi justificado como “vício de iniciativa”, já que cabe apenas ao Governo Federal legislar sobre direito penal.

O deputado disse ao Campo Grande News que ficou surpreso com o veto da comissão. “Acredito ser de nossa competência, sim, legislar sobre o tema, que tem o objetivo de proteger estes animais da crueldade. Estas coleiras já foram proibidas em diversos países como Inglaterra, Escócia e Holanda. Outros estão discutindo alterações em sua legislação com esse mesmo objetivo”, declarou parlamentar.

Na visão de João Henrique, o uso de coleiras de choque “causa estresse e dor nos animais, fato já abundantemente comprovado em inúmeros estudos científicos, e pode induzir o animal a comportamento agressivo”, expressou. “Ela emite descarga elétrica com finalidade do dono, ou adestradora, controlar o comportamento do animal e isso é inadmissível. Ao contrário do que foi dito, não há uma lei que regulamente este tipo de comercialização e uso”, disse.

Em Campo Grande, entramos em contato com quatro principais pet shops da cidade, de franquias famosas. Em três delas, coleiras e sprays que impedem o comportamento natural do animal são vendidos livremente e chegam a custar R$ 260,00.

Um das coleiras encontradas, por exemplo, é acionada pela vibração das cordas vocais do cachorro e tem duas configurações que emitem sons que inibem o latido. Em uma delas, a bula até especifica que o tom emitido “não causa nenhum efeito para o cão”, no entanto, em outro trecho, a bula é clara sobre a segunda configuração. A bula revela “que o sinal é emitido em um nível que os cães odeiam, portanto a teoria é que eles percam a concentração no que estavam latindo”.

Outro produto comum, é o spray sonoro com ar comprimido que quando acionado, emite um som conhecido como perigo para os animais, fazendo com que os cachorros interrompam de imediato o que estão fazendo.

Algumas pet shops evitam as coleiras polêmicas, como as de efeito sonoro ou que dão choques, mas possuem apitos para que os tutores assoprem gerando barulho incômodo aos cães. No entanto, na internet, é possível encontrar uma série de produtos antilatidos, inclusive, com choque e vibração que deixam claro a tortura animal, podendo até lesionar o cachorro.

Diogo pesquisa sobre comportamento animal e dá dicas para que você fuja da punição e se familiarize com a educação dos cães. (Foto: Reprodução Instagram)
Diogo pesquisa sobre comportamento animal e dá dicas para que você fuja da punição e se familiarize com a educação dos cães. (Foto: Reprodução Instagram)

De acordo com o zootecnista, professor e pesquisador da Uniderp, Diogo Cesar Zornoff, que atua na área de Comportamento e Bem-estar Animal, em longo prazo, o uso desse tipo de produto pode gerar efeitos colaterais ruins e reprimir o comportamento. “Quando um animal late e esse aparelho vibra, dá choque, emite um som que o assusta, os efeitos que ele produz não se associam apenas com o ato de latir. Isso pode repercutir, em longo prazo, causando sofrimento ou agressividade no animal”, destaca o pesquisador.

Ele também reforça que esses estímulos que impedem o latido, por exemplo, não respeitam as individualidades do animal. “E é muito cômodo usar uma coleira para o cão não latir buscando uma solução imediata, quando, na verdade, não resolve problema algum, só desprezam o animal”.

Diogo entende que há diferentes posicionamentos sobre o uso desses dispositivos e que “há um abismo científico” para responder demandas sobre modificação do comportamento dos animais, no entanto, atitudes simples e a consciência de responsabilidade com um animal de estimação como o cachorro é o primeiro passo para o bem-estar dele.

“Em primeiro lugar, todo cão late e o latido é uma das formas dele se relacionar com o mundo. Antes de usar uma coleira, é preciso que o tutor pense sobre os motivos do incômodo com esse latido. O latido é um problema para um tutor ou um problema comunitário?”, diz Diogo sugerindo o autoquestionamento.

“Muitos querem relacionar o latido do cão como algo patológico, falta de disciplina, mas pode ser simplesmente uma resposta à relação dele com o ambiente. São muitos os fatores, mas, às vezes, é uma rua movimentada e constantemente o cão passa muito tempo sozinho. Às vezes, a interação com o tutor dele é pouca ou o ambiente em que ele vive não é confortável. Esse primeiro processo se chama Análise Funcional e com isso, a gente pode fazer do ambiente e isso deve ser feito junto com a família”, acrescenta.

Fazendo uma analogia com as relações familiares conflituosas, por exemplo, nem sempre levar somente o filho ao psicólogo irá solucionar os problemas dentro do ambiente familiar. É preciso que toda a família se dedique ao cuidado da saúde emocional e esteja unida para a solução de um problema.

Com o cão, a relação é semelhante, ao observar e detectar as necessidades de mudanças dele com o ambiente, que proporcionem mais qualidade de vida e bem-estar, é possível fazer mudanças simples na rotina ou usar técnicas diretas.

E isso não se resume a contratar um especialista ou adestrador. “Muitas vezes, as pessoas acreditam que o adestrador vai resolver tudo em um passe de mágica, mas é preciso que a família faça parte da rotina do animal”.

Isso envolve, por exemplo, a mudança de repertórios do dia a dia dele. O cão não precisa só comer, tomar água e ficar deitado. Ele pode ter uma rotina mais próxima com seu tutor, uma rotina de atividade, como passeios, que ampliam a relação dele com o mundo, além da disposição do tutor em demonstrar afeto e, claro, manter em dia os elementos que também influenciam na saúde física deste animal.

“Além disso, fora equipamentos que sabemos que existem legalmente no mercado, há equipamentos que lesionam o animal. Por isso, quando se vai interferir em comportamento, a gente tem que usar técnicas não invasivas. Com as coleiras ou sprays, as pessoas não querem se responsabilizar com os cães, elas preferem punir a ensinar. Usar um colar é só punição, você não esta resolvendo nada e isso é muito perigoso”, conclui o pesquisador que deixa abaixo cinco dicas simples para proporcionar uma rotina mais saudável aos cães e ver o animalzinho feliz. Mas lembre-se: cachorros latem!

O Lado B tentou um posicionamento do CRMV-MS (Conselho Regional de Medicina Veterinária de Mato Grosso do Sul) sobre o uso das coleiras. Mas não houve retorno até o fechamento desta reportagem por conta da antecipação do feriado do servidor público, que foi gozado nesta quarta-feira (13).

Dicas simples para mudar a rotina do seu cachorro. (Arte: Henrique Lucas)
Dicas simples para mudar a rotina do seu cachorro. (Arte: Henrique Lucas)

Curta o Lado B no Facebook. Tem uma pauta bacana para sugerir? Mande pelas redes sociais, e-mail: ladob@news.com.br ou no Direto das Ruas através do WhatsApp do Campo Grande News (67) 99669-9563.

Nos siga no Google Notícias