Aos 86 anos, Maria enfrentou perdas na família com o violão e jardinagem
Dona Maria pega dois ônibus para ir todos os dias para ir ao ‘Vovó Ziza’ e não para quando está em casa
Aos 86 anos, dona Maria não para durante o dia. Quando está em casa, passa o tempo fazendo algum trabalho manual. É crochê, bordado, pintura em tecido, costura ou jardinagem. Todos os dias ela também embarca em dois ônibus e vai do bairro Marcos Roberto até o CCI (Centro de Convivência do Idoso) Vovó Ziza, no Tiradentes. Por lá é ginástica, aula para a memória e a última invenção é aprender a tocar violão. Foi assim, preenchendo o dia, que ela conseguiu não se entregar à tristeza, após perder quatro pessoas da família nos últimos meses do ano passado.
Maria Vieira Lopes diz que nasceu “no dia de Papai Noel, em 1932”. Viveu a infância na área rural de Inocência, no interior do Estado. Veio para Campo Grande a bordo do trem, quando já estava casada e aqui, criou e formou as três filhas: Zilda, administradora; Zenaide, médica; e Zenilda, biblioteconomista, tudo fazendo trabalhos de costura.
A rotina de atividades no Vovó Ziza não é novidade para dona Maria, que está aposentada há 15 anos. “Faço exercício desde que era no Horto [Florestal]. Na época, eu ia a pé, que era pertinho. Lá [no Vovó Ziza], são dois ônibus. Eu ia duas vezes por semana, agora, é todo dia. Hoje [segunda-feira] tem uma aula só. Terça-feira tem de manhã e à tarde”. Ela conta que quando soube que seriam oferecidas aulas de violão no “Vovó Ziza”, ela pegou o violão antigo do neto, mandou consertar e não teve dúvidas em entrar na aula.
“As meninas falaram: vai ter aula de violão. Pensei que não custa entrar para ver se a gente aprende alguma coisa. Entramos. A ‘veiarada’ amiga na aula de violão. Nosso professor é do Rio de Janeiro. Um rapaz novo que tem paciência com a veiarada”, brinca ao falar dela e dos colegas.
Dona Maria conta que está no segundo mês das aulas de violão. Por enquanto, ainda aprende os primeiros acordes. “É o segundo mês que eu estou na aula, mas, eu dei uma parada no ano passado, um mês em conto. Meu pessoal deu para morrer um atrás do outro e isso me levou lá embaixo. Quase que eu acompanhei. Com esse negócio, eu deixei viola, deixei tudo. Era véspera de Natal ainda. Era para ir tocar na Casa do Papai Noel, mas, eu não fui”, relembra.
No fim do ano passado, dona Maria teve que lidar com a perda de quatro familiares. “Quatro meses que eu perdi meu último irmão. Nós éramos sete e restou só eu. É duro. Foi assim, um atrás do outro. Meu cunhado foi, quando fez dez meses que meu cunhado foi, foi a minha irmã foi. Eu estava operada da catarata há quatro dias e não podia viajar e fazer a despedida dela. Quando fez dois meses que ela foi, morreu meu sobrinho, de cinco meses. Menino saudável, já andava segurando na cadeira de fio”, conta Maria.
Dona Maria relembra que após as mortes, se pegava chorando em casa e, para não entrar em depressão, resolveu colocar a mão na massa, literalmente. Ela e a filha, Zenaide, bateram massa e fizeram uma calçada em casa. A filha cimentou parte da varanda. Ela, construiu duas muretas: uma para cercar o pé de manga e outra para colocar as plantas no jardim.
“Porque assim, o dia passa e você não fica pensando em coisa ruim que aconteceu. Ela fez a calçada e eu fiz a calçada do pé de manga, depois eu fiz 0 murinho para pôr as plantas em cima. Ainda tem mais trabalho para fazer”, adianta dona Maria.
A jardinagem é uma das ocupações preferidas dela. No quintal são muitas plantas e ela transferiu o “ateliê” para fora de casa, bem embaixo da árvore, que entrelaça uma mangueira e um pé de acerola. É à sombra das árvores que ela costura e faz tapete de tear. Inquieta, ela já planeja o próximo trabalho a fazer.
“Essa terra aqui é muito ruim. Aqui tem muito caramujinho, que é uma praga nas plantas, então tenho que cavar a terra, tirando a terra para os lados. Primeiramente, você coloca o sal grosso do churrasco para matar os caramujos, depois coloca as folhas podres e coloca a terra e novo, para ver se aduba e dá alguma coisa. Porque antigamente, esses estercos eram bons, mas, hoje em dia, os animais comem capim braquiária e não presta o esterco”.
Maria relembra que, como era costume antigamente, pegou no batente desde criança. Fazia doce, sabão e torrava café. “No tempo da minha mãe, a gente trabalhava desde criança. Não nasci para ficar parada não. Mesmo quando eu estou aqui assistindo televisão, eu estou fazendo o meu crochê”.
“Teve gente que falou: depois de velha, que vai aprender a tocar violão? O dia que eu enjoar dos trabalhos manuais, pego o violão e dê-lhe barulho no vizinho. Faço crochê, bordado, violão, costura, pintura em tecido, jardinagem e caça-palavras. Dizem ‘ah, mas você está velha, não precisa aprender mais nada. Digo que é agora que você tem que aprender para você ter o que fazer na vida. Se eu aprender mesmo a tocar violão, vou comprar um violão novo para mim”, planeja dona Maria.