Após vida de luta, sonho de Damiana por ‘tekohá’ continua resistindo
Líder Guarani-Kaiowá faleceu nesta terça-feira (7) sem ver seu território demarcado
Tendo lutado a vida toda pelos direitos de seu povo, a líder indígena Damiana Cavanha foi eternizada em música, conversas, textos e na memória de quem acompanhou as batalhas intermináveis por seu território. Aos 84 anos, a guerreira Guarani-Kaiowá se foi, mas deixou viva a esperança de que seu “tekoha” seja demarcado e seu povo respeitado.
Definida como um símbolo de resistência, Damiana foi cacique e passou por inúmeros despejos enquanto sonhava com a “terra de onde se é”, o “tekoha”, em guarani. Sobre a trajetória da indígena, o professor e superintendente do Patrimônio da União em MS, Tiago Botelho, conta que a conheceu há nove anos durante lutas pelo direito à demarcação.
“No ano de 2015, vivenciei com eles um despejo horrível. Foram retirados do território com truculência e violência. Destruíram as moradias e soterraram tudo. O dia era chuvoso e mesmo assim o sistema de justiça foi injusto e desumano”, relembra Tiago.
Na época, Damiana e seus parentes passaram a viver às margens da rodovia, sem água potável e outros direitos básicos, como explica o professor. Pensando em sua relação com a liderança, ele pontua que definir Damiana é pensar em uma cidadã douradense Guarani-Kaiowá que lutou a vida toda.
“Morreu sem ver seu território demarcado por inércia, omissão e crueldade do estado brasileiro. Sua luta deveria ser reconhecida pelo município de Dourados e pelo estado de Mato Grosso do Sul como exemplo de luta por um estado e um país socialmente justo”, defende o professor.
E, com a partida de Damiana, o que fica para Tiago é um “exemplo de mulher, mãe e avó que desafiou o Estado e provou que sua relação espiritual com a terra ninguém destruiria. Viveu por décadas às margens da rodovia desafiando e cobrando justiça territorial”.
Em sua história, a líder perdeu seu neto atropelado, viu parentes sendo executados, conviveu com a falta de alimentação, de saúde e educação, nas palavras do professor. “Damiana seguirá viva na memória e história desse país”.
Confirmando o depoimento do professor sobre como Damiana continuará eternizada, o integrante da banda “Intervenção”, Lipe Faia, explica que a liderança se tornou tema de música e capa de um dos álbuns do grupo.
Em 2017, a banda foi até Dourados para tocar e, através de uma amiga, o grupo conseguiu passar o dia com Damiana. Para o guitarrista, a experiência foi de aprendizado durante aquele curto período.
Um ano depois, o disco “Ela é de Luta” foi gravado, com o título, uma música e a arte do encarte inspirados pela liderança.”Nós passamos a tarde e a noite com a dona Damiana e seus parentes. Nós escutamos eles falarem e muitas coisas foram marcantes. Ela explicou toda sua situação, então a gente fez um recorte dessas falas e musicou com uma melodia de fundo para isso”, detalha Lipe.
Além da música, Damiana também foi escolhida para ilustrar a capa do disco como uma forma de levar sua luta também para aquele espaço. Lipe explica que a banda sempre pensou em levar as questões do Estado para fora de Mato Grosso do Sul e, com a Guarani-Kaiowá, a ideia seguiu a mesma.
“A importância da figura da dona Damiana é gigantesca por toda a história de ter enterrado tantos parentes e pessoas próximas, viveu tudo o que viveu e não desistiu em nenhum momento do que é justo e deles por direito”, diz o músico.
E, apesar de seu falecimento, Lipe argumenta que fica o legado de tudo o que a liderança ensinou. “Fica a importância da passagem dela por aqui e continua fortalecendo as lutas”.
“Expulsa da sua terra
Jogada no acostamento
Tiram sua casa, sua mata e seu alimento
Mas ela é de luta
Damiana diz: Nunca não vou estar no meu tekoha
Água do rio envenenada
Disparos e atropelamento
Ver seu povo sofrer
É o seu maior sofrimento
Mas ela é de luta
Damiana diz: Nunca não vou estar no meu tekoha”
Letra da música “Ela é de Luta”, da banda Intervenção.
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