Chamar bairro de "periferia" é briga certa com moradores de Campo Grande
O Lado B foi para as ruas falar sobre a resistência ao informar o endereço correto
Basta inserir em uma reportagem que fulano mora na "periferia" para começar a enxurrada de mensagens ao Lado B reclamando da "forma pejorativa" de tratar determinados bairros. Em Campo Grande, muita gente considera ofensa ser morador da periferia, apesar do dicionário ser claro: "Condição ou localização do que está em volta, próximo, na vizinhança de algo, e não no centro".
Mas qual o motivo de tanto incômodo? “É por questão de status social. A maioria das pessoas quer pagar de rica e sente vergonha de falar de onde vem” resume Jorgiane Silva, 18 anos.
Ela é estudante e mora no Caiçara, mas afirma que não tem vergonha de dizer de onde vem. “Sou pobre e acho que as pessoas deveriam ser humildes. Onde vivo é um bairro bom, asfaltado e já morei até no São Conrado, porém nunca tive problemas”, destaca Jorgiane.
Não faltam justificativas para dar outro endereço na hora do questionamento. “Já menti porque o bairro é longe e as pessoas acham que por isso sou marginal. Moro no Pênfigo desde que nasci, lá tem um lixão e o Presídio Federal perto da região e isso causa espanto. Normalmente, quando me perguntam, digo que sou do Leblon que é perto do terminal Bandeirantes”, diz Gabriel Carvalho.
Ele trabalha em serviços gerais, tem 22 anos e comenta sobre a resistência ao falar do bairro onde mora. “Essa questão do preconceito, mas ultimamente estou dizendo a verdade porque é o local onde cresci, para as pessoas saberem que lá também vive gente normal, que não são do jeito que pensam. É pior continuar mentindo, porque vão me chamar de mentiroso”.
O vendedor, Vanderson Ferreira de Oliveira de 29 anos mora no Los Angeles e afirma que não sente vergonha de dizer porque a casa é sua. “Custa R$ 120 mil, vou ter vergonha do quê? Se estivesse no Nha-nhá falaria que morava no Marcos Roberto, porque é o que acontece muito, pois lá tem vândalos, usuários de drogas. Sentem vergonha da periferia porque é uma região mais pobre e feia”.
Ele mora no local há um ano, saiu do Aero Rancho para ter a casa própria. “Los Angeles é feio? É. Tem a casa de guarda (menores infratores)? Tem. Ladrão? Tem também, isso é em qualquer lugar. Mas é minha casa”.
As primas Bianca Silva Gonçalves e Steffany Miranda moram no Manoel Taveira, mas quando são questionadas costumam dizer que vivem longe do Centro. “É um local pouco conhecido, perto do Detran [Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso do Sul]. Por isso, quando dizemos onde é, as pessoas falam que não compensam nos visitar”, justifica Steffany.
Ela tem 20 anos, mora no local há dois anos, porém não costuma sair ou conhecer a vizinhança. Neste ano, sua prima veio de Miranda para “racharem” o aluguel enquanto estudam e lembram de uma situação que passaram por conta da região. “Esses dias um motorista de aplicativo ia cancelar a corrida porque não sabia onde era, mas fez uma pesquisa primeiro”.
Se para Steffany é difícil falar, imagine para Bianca que está aqui há pouco tempo e tem que explicar onde é o Manoel Taveira. “É complicado. Não estou acostumada com essa correria, vim de cidade pequena e sinto falta. Lá todos se conhecem e não tem essa de vergonha porque são pessoas simples e os bairros próximos. As únicas que têm receio são as que vivem nas aldeias ao redor, o que é comum”, diz Bianca.
No Canguru há sete anos, Gustavo Rodrigues viu muitos amigos mentirem. “É porque lá tem parte feia, mas eu moro na boa, onde tem asfalto. Periferia é um lugarzinho com casa feia, favela e meu bairro é bonito apenas a rua onde vivo. Já menti algumas vezes porque estava conversando com pessoas de alto nível”.
A assistente administrativa, Gisele Francelino, 38 anos, mora no Tiradentes e afirma que não tem problema em falar periferia. “É onde minha família e amigos moram, isso tem que ser valorizado, motivo de orgulho. Quem sente vergonha de falar são os jovens, só porque é um local afastado do Centro, onde vivem pessoas humildes”.
Já o cozinheiro, Álvaro Gaúna cresceu no Paulo Coelho, há 21 quilômetros do Centro. Ele é cozinheiro e todos os dias precisa encarar cinco ônibus e duas longas horas de viagem até chegar no emprego. “Volto pra casa só de madrugada”, conta. “É o local onde cresci, brinquei de jogar bola, soltei pipa. Penso que periferia é favela, como o Dom Antônio e a Favela de Deus. Acho que o preconceito tem a ver com a falta de conhecimento”.