Com leveza e humor, casal fala para alunos como é viver sem enxergar
Marelija e Nivaldo, que são cegos, falaram para alunos de escola pública durante o ‘Dia C da Cidadania’
A porta da sala abre e o casal Marelija Zanforlin, de 39 anos, e Nivaldo Santos, de 48 anos, entra em cena. Na plateia estão alunos do segundo ano do Ensino Médio da Escola Estadual Professor Severino De Queiroz. Pela segunda vez, a psicóloga e o administrador apresentam a peça: ‘Cegalidades, diversidades e caridades vivenciadas por um casal de cegos’.
A apresentação deles faz parte da programação do ‘Dia C da Cidadania’ que é uma ação em parceria entre a Setescc (Secretaria de Estado de Turismo, Esporte, Cultura e Cidadania), por meio do Programa Cidadania em Rede, com apoio da SED (Secretaria de Estado de Educação).
Na tarde de quinta-feira (19), eles protagonizaram a peça que de forma engraçada e didática aborda desde a inclusão ao capacitismo. A leveza e bom humor que o casal esbanja no cotidiano fica evidente quando ambos estão no palco.
A primeira cena da peça traz Marelija e Nivaldo andando e conversando despretensiosamente até o assunto chegar às bengalas. “Ô meu bem a gente tá falando de bengala, mas as pessoas aqui não sabem de bengala e se a gente explicar sobre as diferenças?”, diz ele.
Antes de entrar nesse assunto, ela faz o primeiro contato direito com o público. “Meu nome é Marelija, tenho 39 anos, sou psicóloga e fiquei cega há sete anos por conta de uma trombose venosa cerebral”, conta. O companheiro de cena e na vida segue o exemplo. “Meu nome é Nivaldo, tenho 48 anos, sou formado em Administração. Sou cego há 30 anos, sou ator”, declara.
Após as apresentações, eles falaram sobre os diferentes tipos de bengalas, como a de ponteiras fixas, esféricas, roller e na cor verde. Marelija explica como é possível identificar se alguém tem baixa visão ou cegueira total só pela bengala.
“As bengalas verdes tem esses três tipos de ponteiras, mas as pessoas de baixa visão enxergam até 30% no seu melhor olho. As bengalas verdes diferenciam as pessoas de baixa visão dos cegos totais, assim como existe o Cordão de Girassol para identificar pessoas com deficiências ocultas”
Em outro momento, Nivaldo brincou com a mania que os outros têm de colocar um cego sempre em algum canto sentado. “A pessoa não pode ver um cego que quer colocar o cego pra sentar. A gente vai numa festa, chega e alguém fala: ‘Senta aqui’. Chegou no ponto de ônibus: ‘Senta’. Eu não quero me sentar”, destaca.
Sem perder o tom de humor, o casal também expôs como algumas frases, como ‘cobra cega’, ‘povo cego’, ‘pior cego é o que não quer ver’ tem significado pejorativo e contribuem para a discriminação. “O capacitismo é o preconceito voltado à pessoa com deficiência. É quando nos julgam pela nossa capacidade ou incapacidade de fazer algo [...] tem gente que acha que não somos capazes nem de trabalhar”, diz Marelija.
Conforme a peça seguia, os atores traziam um pouco da vida cotidiana para dentro da sala de aula. Ainda no tema capacitismo, Nivaldo expôs como faz de tudo um pouco. “A gente pode trabalhar sim gente. Eu sou formado em Administração, tenho um projeto, jogo bola, mexo com xadrez e tantas outras coisas”, comenta.
Mareligia terminou a graduação de Psicologia antes de perder completamente a visão. Hoje em dia, ela atua em associações e faz uma pós-graduação em audiodescrição. Além de tema de estudos, o recurso que traduz imagens em palavras foi mais uma parte fundamental da peça que demonstrou a relevância da audiodescrição em qualquer exibição na televisão, seja de propaganda ou futebol.
Depois de mais de 30 minutos de peça, o casal encerrou a apresentação dançando juntos ao som de ‘O que é, o que é?’ e o célebre refrão: ‘Viver e não ter a vergonha de ser feliz, cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz’.
Depois da UFMS, a escola estadual foi o segundo lugar a receber ‘Cegalidades, diversidades e caridades vivenciadas por um casal de cegos’. Ao Lado B, o casal, que se conheceu no Ismac (Instituto Sul-Mato-Grossense para Cegos), traz detalhes sobre o processo criativo da peça.
Segundo Nivaldo, a intenção é apresentar em mais lugares no próximo ano. “É um trabalho novo, eu trabalho com teatro e há pouco tempo atrás teve uma oficina que a Marelija fez também. Nós falamos de fazer um trabalho pra gente, de escrever as coisas e apresentamos. Ano que vem vamos colocar em circuito, então estamos treinando e ensaiando”, comenta.
A linguagem informal e divertida da produção, conforme a psicóloga, retrata a forma como ambos abordam a deficiência. “É uma característica nossa, a gente sempre brincou muito com essa questão da deficiência e como levar a informação pras pessoas. A gente acha que tem que ser de uma forma descontraída para não ficar uma coisa pesada”, pontua.
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